Manuel Coutinho Carmo Bucar Corte Real, SE, M.Ec.

Chefe Departamento de Ciência da Economia da FE da UNTL, Fevereiro-Setembro de 2000, Decano da FE da UNTL, Setembro de 2000 até Agosto de 2006, Inspector Geral do Estado, Agosto de 2006-Setembro de 2007, -Comissario Adjunto da CAC de Timor-Leste (2010 - 2018),
Docente Senior da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Nacional de Timor Loro-Sa´e
(Mês de Junho de 2000 até presente, 2023)

O Mundo de Informações

Tempo de reflexão sobre a presente crise financeira internacional e os seus impactos no Fundo Petrolífero

Por Dr. ABÍLIO ARAÚJO*
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Começou o debate sobre o OGE para o ano de 2009.
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Não há dúvida de que a verba orçamentada é pequena e insignificante. Todos reconhecem as enormes carências de que o País sofre, assim como todos sabem que há dinheiro do Fundo Petrolífero cujo valor real vai diminuindo em cada dia que passa.
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Para meu espanto, há vozes que bradam aos céus sobre a delapidação do Fundo Petrolífero em boa (?) hora "criado" pelo I Governo Constitucional para acautelar os interesses das futuras gerações que se considerava que nada teriam se os rendimentos entretanto obtidos não estivessem bem conservados e guardados a sete chaves!!! Mas dinheiro deve ser um dos poucos bens que nem sete chaves conseguem guardar. Ele mantém-se, mas o seu poder de compra diminui e os juros dos depósitos, mesmo quando existem, não conseguem compensar.
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Devo ter sido uma das poucas vozes senão a única que contestaram na altura da sua discussão e socialização a aberração dos conceitos subjacentes à constituição desse Fundo. Fi-lo neste mesmo jornal e noutros órgãos de comunicação social. A questão central que se deveria ter colocado não era a de poupar os recursos financeiros obtidos a partir do petróleo e de os transmitir, qual herança aos nossos vindouros, mas sim a de utilizar os referidos recursos para desenvolver o nosso país e o nosso Povo e deixar aos nossos vindouros um legado material e cultural de que eles bem pudessem usufruir e orgulhar-se no futuro - um País próspero, desenvolvido e não dependente.
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Importa, no entanto, retomar o conceito paternalista de base colonial sobre o qual assenta a sua criação e imposição aos Timorenses, e que em nada difere das teorias racistas para justificar o colonialismo dos séculos passados: " Os povos colonizados são como crianças grandes"; ou esta outra: "As riquezas dos povos da África e Ásia devem ser utilizadas para o bem da Humanidade. Mas como aqueles Povos, devido ao seu subdesenvolvimento e atraso (selvagens) não sabem utilizá-los, Deus confiou essa missão aos Europeus!!!" A História bem documenta o que foi a realidade do colonialismo imposto "manu militari" pelas potências ocidentais, realidade a que hoje se achou por bem atribuir eufemisticamente o nome de "Encontro de Civilizações e Culturas".
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Do mesmo modo, a justificação corrente para a criação do Fundo baseia-se na propensão genetico-cultural dos povos e países produtores de petróleo e outros minérios a gerarem líderes corruptos que delapidam as riquezas dos seus Povos!!! Como se não houvesse corrupção nos outros hemisférios e latitudes!!! Porquê e como se chegou à actual crise financeira?
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Os ideólogos do neo-liberalismo apressadamente lançam novas (velhas) teorias sobre a necessidade de regular o mercado e ampliar a capacidade de supervisão e controle dos mercados como se a espiral da liberalização que culminou na lançamento dos chamados "produtos tóxicos" financeiros não fosse ela mesma produto da corrupção do sistema com o beneplácito de Administrações Públicas que sempre se auto-exibiram como espelhos da transparência e democracia. O caso Madoff e outros não podem ser justificados meramente por uma distracção, como é evidente. Interroga-se hoje como foi possível esta grande crise financeira mundial que se está a abater sobre o mundo com proporções e consequências ainda não inteiramente previsíveis e que teve a sua génese nos Estados Unidos.
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Por isso, a minha estupefacção torna-se ainda maior quando, no nosso País, oiço vozes que, alheias ao que se passa actualmente no mundo, ainda fazem a defesa daquele modelo numa altura em que o próprio Jens Stoltenberg, actual Primeiro Ministro da Noruega, país que inspirou os nossos então governantes na adopção desse modelo, inadequado às nossa realidades, ter afirmado (Financial Times de 14 de Dezembro 2008) que vai ter de injectar mais dinheiro do Fundo na "construção civil, escolas e infra-estruturas" para combater a actual recessão! A economia da Noruega experimentou uma forte expansão desde a década de 50 e conheceu nos últimos anos um crescimento anual de cerca de 5%. O abrandamento resultante desta crise financeira mundial, a queda dos preços do petróleo, a subida do desemprego para dobro, etc., vai fazer-se sentir e já se admite que o crescimento norueguês irá cair para 1,5%, este ano.
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O último Relatório anual "Global Economics Prospects" do Banco Mundial afirma que a economia mundial está à beira da recessão económica e enumera uma lista de previsões desfavoráveis para a economia mundial em 2009.
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Este ano, o crescimento económico não ultrapassará os 0,9% ao contrário de 2006 e 2008 em que foram registadas taxas de 4% e 2,5% . No mundo em desenvolvimento, as previstas taxas de 4,5% de expansão da economia não serão suficientes para consolidar os progressos registados nos últimos anos com índices de crescimento de dois dígitos.
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No que se refere ao comércio mundial, sabe-se que de um trilião de dólares em 2007, o fluxo de capitais para as economias emergentes não ultrapassará USD 530 mil milhões, com consequências no investimento estrangeiro directo e indirecto que passará de 13, 2% em 2007 para 3,5% deste ano. Em relação ao preço do petróleo e outras matérias-primas cuja queda de preços vem pôr fim ao boom dos últimos cinco anos, os exportadores de petróleo terão agora que fazer face à renegociação das imensas dívidas contraídas em fase de expansão das suas economias.
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Curiosamente, neste quadro negro da vida económica, o relatório do Banco Mundial recomenda que os poderes públicos adoptem vastos pacotes de incentivos à recuperação, tanto no domínio da política fiscal, como do investimento público.
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A grande perda de confiança dos investidores no sistema financeiro mundial é preocupante. Pergunta-se hoje: quem pode guardar o nosso dinheiro com segurança quando se assiste a falências em cadeia de bancos e instituições financeiras de renome, muitos dos quais só não foram à falência porque os governos decidiram avançar com planos de resgate financeiro de passivos insolventes?
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Em Dezembro passado, em vésperas de Natal, o Tesouro americano rateou USD 30 mil milhões em títulos de curto prazo (quatro semanas) a 0% de juro. A taxa chegou a entrar em território negativo, o que significa que os investidores pagam ao Tesouro para "guardar" o seu dinheiro. Todos os factores subjectivos – prudência e o receio de riscos – estão aí para aprofundar ainda mais a crise e comprometem a sobrevivência das empresas que não conseguem encontrar o financiamento de que tanto precisam para se expandir. Investidores institucionais, gestores de fundos e sociedades de investimento optam por deixar dinheiro "parado" no Tesouro, sem vencer juros, em vez de o fazer circular no mercado de capitais. Assim, para cúmulo da contradição, não nos espantaremos se as injecções de liquidez do FED para o resgate financeiro à banca, às seguradoras, à indústria automóvel, etc. vierem a acabar em títulos de dívida pública, de que o Tesouro de novo se irá servir para, entre outros, apoiar proprietários em risco de incumprimento, subsidiando-os indirectamente na renegociação dos prazos e taxas das suas hipotecas.
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E esta situação parece vir a prolongar-se num horizonte cada vez mais imprevisível.
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Vale a pena repensar tudo porque não é tarde ainda.
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Repensar o Fundo Petrolífero e a forma de o mesmo poder vir a ser utilizado para o desenvolvimento do nosso País e não permitir a sua imobilização, pois não só se desvaloriza tendo em conta a inflação e o baixo nível expectável dos juros, como também irá protelar o início de grandes obras de desenvolvimento das infra-estruturas que a serem feitas muito mais tarde serão muitas vezes ainda mais dispendiosas, mantendo o país adiado.
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*Abílio Araújo, Ministro de Estado para os Assuntos Económicos e Sociais (1975-1981), Secretário-Geral do Partido ML FRETILIN (1981-1984), Presidente da FRETILIN (1984-1989), Terceiro Presidente da RDTL (1981-1989). Empresário e actualmente Presidente do Grupo de Empresas SACOM. Fundou o Partido Nacionalista Timorense (PNT) de que é o Presidente.
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*Cortesia leitor-email e Forum Haksesuk