Grupo de Pesquisa: Desenvolvimento Territorial e
Ruralidade
Resumo Nasce no período do pós-guerra uma disciplina no
interior da ciência econômica conhecida como Economia do Desenvolvimento.
Entretanto, se por um lado o Desenvolvimento Econômico emergiu como uma
temática de extremo sucesso no campo da economia, por outro, em um período
relativamente curto de tempo, verificase o seu declínio. Como resultado desse
processo, o tema do desenvolvimento se tornou mais amplo, principalmente devido
à incorporação de novas temáticas. Ao substantivo “desenvolvimento” são
apensados inúmeros adjetivos, conferindo ao termo uma suposta multiplicidade.
Esta fragmentação interna à disciplina deu origem a uma série de subtemáticas
que tornaram o campo do desenvolvimento mais complexo e difícil de ser
compreendido na sua dimensão global. Lançando um olhar mais atento sobre as
questões acima indicadas, o presente trabalho busca – através de um resgate da
Economia do Desenvolvimento e das principais mudanças no cenário histórico
mundial – explicar (1) os novos rumos da disciplina, (2) os processos que
levaram à transmutação histórica da discussão de desenvolvimento econômico numa
discussão fragmentada e (3) a natureza mesma desta fragmentação.
Palavras-chave:
Desenvolvimento territorial; teoria do desenvolvimento;
Abstract
In the post-War period rises in Economics something known as Economic
Development. However, if it is true that the Development Economics had achieved
an incredible success, it is also true that it had a real short lifetime. As
result of that process, the development thematic became vague, especially due
to the incorporation of new themes within it. To the substantive
"development" new adjectives were attached, giving to the term a
pretense multiplicity. This fragmentation of the discipline originated a series
of sub thematic that made the development studies more complex and difficult to
be understood in its global dimension. Looking more carefully at these
questions, this paper seeks – by rescuing the old Development Economics and the
major historical changes in the world's scenario – to explain (1) new paths in
this discipline, (2) processes that lead to the historical changes of the
development economics debate into a fragmented one, and (3) the nature of this
fragmentation.
Key
Words: territorial development; development
theory;
1. INTRODUÇÃO
Nos
termos de Albert Hirschman (1982), nasce no período do pós-guerra, mais
especificamente nos anos 1950, uma disciplina no interior da ciência econômica
conhecida como Economia do Desenvolvimento. Entretanto, se por um lado o
Desenvolvimento Econômico emergiu como uma temática de extremo sucesso no campo
da economia, por outro, em um período relativamente curto de tempo, assiste-se
ao seu declínio, não apenas no campo estritamente teórico, mas também na medida
em que se transformara em prática e discurso político. O mesmo Hirschman, um
dos responsáveis pelo interesse acadêmico e social da disciplina, em um artigo
de grande repercussão sustenta que a disciplina do desenvolvimento econômico
havia se esgotado.
Este
período de crise na disciplina (que vai de meados dos anos 1960 a meados dos
anos 1980, aproximadamente) é importante, pois nele ocorre uma mudança de
paradigma do processo de acumulação de capital em nível global. Aqui a
referência é às mudanças de padrão tecnológico de produção e também às que
ocorrem no campo das finanças globais.
No
entanto, nos anos 1980, gradualmente, volta à tona o debate sobre
desenvolvimento no âmbito das agências multilaterais, sobretudo do Banco
Mundial, no bojo das discussões a respeito da deterioração ambiental e da
renitente presença da pobreza e da fome em nível global, não obstante a
superação definitiva da incapacidade da produção de alimentos em fazer frente
às necessidades humanas. Ficavam evidentes as disparidades de condições de
vida. A velha noção do desenvolvimento econômico parecia limitada para dar
conta da amplitude destes problemas.
O
resultado desse processo é surpreendente. O tema do desenvolvimento tornou-se
certamente mais amplo no conjunto das suas questões do que havia sido nos anos
1950, principalmente devido à incorporação de novas temáticas. Ao substantivo
“desenvolvimento” são apensados inúmeros adjetivos, conferindo ao termo uma
suposta multiplicidade. Esta fragmentação interna à disciplina deu origem, no
entanto, a uma série de subtemáticas e delimitações de escala que tornaram o
campo do desenvolvimento mais complexo e difícil de ser compreendido na sua
dimensão global.
Fernando
Henrique Cardoso (1995) faz referência a este processo de fragmentação como
sendo o resultado de um mundo que havia se tornado mais complexo, no qual as
discussões de desenvolvimento econômico não teriam mais lugar, sobretudo se
fosse considerado o fato de que o espaço supranacional se tornava privilegiado
nas discussões das ações de temporalidade mais longa. E apesar dos problemas
que a atual perspectiva do desenvolvimento pode engendrar, considera o autor
que tal mudança “constitui claramente um ganho”.
Lançando
um olhar mais atento sobre as questões acima indicadas, o presente trabalho
busca, através de um resgate da Economia do Desenvolvimento e das principais
mudanças no cenário histórico mundial, explicar os novos rumos da disciplina,
os processos que levaram à transmutação histórica da discussão de
desenvolvimento econômico numa discussão fragmentada, nos termos apresentados
acima, e a natureza mesma da fragmentação, procurando auferir uma possível
lógica de composição.
Considerando
as limitações próprias a um trabalho da natureza que se pretende produzir e a
amplitude das correntes e teorias que podem ser enquadradas no campo do desenvolvimento
econômico, as discussões sobre desenvolvimento territorial e local foram aqui
eleitas como representantes desta que será aqui chamada de Nova Economia do
Desenvolvimento. Esta escolha se justifica na medida em que, incorporadas ao
rol das novas temáticas e tendo se projetado, em parte, como fruto dos impasses
das velhas teorias do desenvolvimento, evidenciam algumas das principais
características da “nova” disciplina.
Um
último ponto pertinente a esta breve introdução tem caráter essencialmente
metodológico e diz respeito à opção aqui feita de capturar o caminho trilhado
pela disciplina Economia do Desenvolvimento não apenas a partir de sua lógica
interna, mas também através de uma recuperação das mudanças no cenário
histórico mundial.
Diferentemente
do que poderia parecer à primeira vista, essa escolha não decorre da crença de
que das especificidades de um determinado período histórico derivam direta e
unilateralmente as formas de pensamento, as formas de ver o mundo, como
costumeiro no marxismo vulgar.[1] O
que se defende aqui é, ao contrário, a adoção de uma perspectiva
materialista-histórica, segundo a qual existe uma interação dialética entre
história e teoria, uma ligação orgânica. E, nesse sentido, busca-se aqui
apontar a ligação entre história concreta e pensamento, acreditando ser a
apreensão deste paralelo necessária ao entendimento do objeto de estudo do
presente trabalho, como se pretende mostrar nas linhas que se seguem.
2. A “VELHA” ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
Como
indicado acima, nasce no período do pós-guerra uma disciplina no interior da
ciência econômica conhecida como Economia do Desenvolvimento, composta pelo
pensamento anglo-saxão e pelos autores latino-americanos da CEPAL (componentes
significativos dessa onda desenvolvimentista que tomou conta do pensamento
econômico mundial).
Dentre
os autores do primeiro grupo, destacam-se os trabalhos pioneiros de
Rosenstein-Rodan (1969) e Ragnar Nurkse (1957), influenciados fundamentalmente
pelo conceito de “crescimento equilibrado”, presente no modelo Harrod-Domar.
Walter Rostow (1978) e Artur Lewis (1969) seguem a mesma linha e, sob alguns
aspectos, vão além dos antecessores. Uma crítica a esta noção de crescimento
equilibrado é fornecida por Gunnar Myrdal (1965) e Albert Hirschman (1961), que
se destacam em sua época com a tese da “causação cumulativa” e do “crescimento
desequilibrado” – e, neste sentido, são autores marcados pela maior proximidade
ao estruturalismo latino-americano.
A
necessidade de capturar a essência dessas teorias, mas sem o compromisso e a
pretensão de esgotar o assusto, exige a escolha de alguns teóricos considerados
representantes dessas três vertentes do pensamento anglo-saxão, a saber,
Nurkse, Rostow e Myrdal. A corrente denominada estruturalista, que se refere ao
pensamento social latinoamericano, será abordada em separado, devido as suas
peculiaridades.
Na
busca pelos mecanismos que condicionam determinada economia a um estado de
subdesenvolvimento, Nurkse vincula esta problemática fundamentalmente à
formação de capital,[2] sendo
este fator capaz de diferenciar países desenvolvidos de subdesenvolvidos,
conforme fica explícito nesta passagem: “As chamadas ‘áreas subdesenvolvidas’
em confronto com as avançadas, são aquelas que se encontram subequipadas de
capital em relação à sua população e recursos naturais”. (Nurkse, 1957, p.3) No
entanto, esta formação de capital está sujeita a ação de forças circulares que
agem no sentido de manter as economias em um “estado de equilíbrio de
subdesenvolvimento”. Esse mecanismo ficou conhecido como círculo vicioso da
pobreza.[3]
Nesse sentido, de acordo com a visão de Nurkse, existiriam dois pontos de
equilíbrio: o primeiro, mantenedor da economia subdesenvolvida em um estado de
equilíbrio de subdesenvolvimento; e, o segundo, que após o rompimento com o
círculo vicioso da pobreza, induz a economia a um estado de crescimento
equilibrado.
Myrdal,
ao contrário, lança as bases para a noção de causação circular acumulativa,
destacando que, se não controlado, o processo de mudanças sociais tende a provocar
desequilíbrios crescentes. Com isso, mostra como, ao contrário da produção de
um crescimento equilibrado, o que constantemente se evidencia no jogo das
forças econômicas é a emergência de um crescimento desequilibrado. Sobre este
aspecto, ressalta:
A
idéia que pretendo expor é a de que, ao contrário, em geral não se verifica
essa tendência à auto-estabilização automática no sistema social. O sistema não
se move, espontaneamente, entre forças, na direção de um estado de equilíbrio,
mas, constantemente, se afasta dessa posição. Em geral, uma transformação não
provoca mudanças compensatórias, mas, antes, as que sustentam e conduzem o
sistema, com mais intensidade, na mesma direção da mudança original. Em virtude
dessa causação circular, o processo social tende a tornar-se acumulativo e,
muitas vezes, a aumentar, aceleradamente, sua velocidade. (Myrdal, 1965, p.34).
Essa
noção de causação acumulativa pode ser encontrada também no interior do modelo
Harrod-Domar que, após descrever como seria o crescimento equilibrado –
conceito, como apontado anteriormente, utilizado por Nurkse em sua análise –
destaca alguns problemas relacionados à sua viabilidade. O chamado segundo
problema de Harrod pretende mostrar, de forma análoga a causação acumulativa de
Myrdal, como “Desvios da taxa verdadeira de crescimento numa economia do tipo
Harrod da taxa garantida [...] longe de serem autocorretivos, são cumulativos
de fato”. (Jones, 1979, p.69).
Foi
com Rostow, no entanto, que a teoria do desenvolvimento alcançou seu momento
mais radical e também mais disseminado, com a publicação, em 1952, de sua
principal obra, As Etapas do Desenvolvimento Econômico: um manifesto
não-comunista. Neste livro, partindo de uma generalização da História moderna,
Rostow chega a um conjunto de etapas de desenvolvimento: a sociedade
tradicional, as pré-condições para o arranco, o arranco, a marcha para a
maturidade, e, por fim, a era de consumo em massa. Não cabe aqui uma análise
pormenorizada das etapas de desenvolvimento formuladas, apenas algumas breves
considerações.
As
idéias subjacentes a essa teoria podem ser enquadradas dentro do que Celso
Furtado chamou de Concepções Faseológicas do Desenvolvimento, retomada após a
II Guerra Mundial com “a idéia de que o desenvolvimento se concretiza pela
superação de uma série de fases, como numa carreira de obstáculos”. (Furtado,
1969, p.120) De acordo com esta concepção, qualquer formação social pode ser
encarada como parte integrante de algum estágio deste mesmo processo evolutivo,
no qual o desenvolvimento não passa de uma ordem natural a ser alcançada por
todas das sociedades – as diferenças econômicas passam a ser entendidas como
diferenças temporais, hierarquizadas em uma escala evolutiva.
São
muitas as críticas que podem ser levantadas contra as idéias apresentadas
anteriormente, mas deseja-se aqui apenas destacar como as conclusões a que
chegam estes autores não são, de maneira alguma, desprovidas de um juízo de
valor; ao contrário, estes apontam para uma sociedade ideal. Mesmo um
observador despretensioso que se depare com o subtítulo da obra (“um manifesto
não-comunista”) já pode obter alguns indícios do que se encontra em seguida. As
sociedades, para Rostow, caminham rumo a um fim muito bem definido, datado
historicamente e figurado pela sociedade de consumo em massa. Como ressalta Dos
Santos:
O
modelo de Rostow tinha um começo comum, na indiferenciada massa das economias e
sociedades tradicionais, em que ele transformou os 6000 anos de história da
civilização, e terminava na indiferenciada sociedade pós-industrial, era da
prosperidade á qual reduzia o futuro da humanidade, tomando como exemplo os
anos dourados de crescimento econômico norte-americano do pós-guerra. (Dos
Santos, 2000, p.17).
Mais
que isso,
Rostow (1960) no seu célebre ‘manifesto não comunista’
retoma e vulgariza a visão neoclássica do desenvolvimento como um processo
natural, progressivo e linear de transição por etapas das sociedades atrasadas
ou tradicionais em direção a uma modernidade eurocêntrica. Uma fórmula
universalmente válida e capaz de orientar a ação de todos os planejadores
estatais competentes. (Fiori, 1999, p.27).
Feito
então este breve apanhado das principais características que podem ser
encontradas na construção lógica sugerida pelas etapas de desenvolvimento de
Rostow passa-se à apreensão do pensamento estruturalista latino-americano.
Em
primeiro, é importante ter em mente que o pensamento social latino-americano
foi caracterizado, até as primeiras décadas do século XX, pela não
originalidade, chegando a ser chamado por alguns de pensamento colonial ou
reflexo. Segundo Marini (1992, p.69- 70), “[...] só se pode falar do surgimento
de uma corrente estruturada e, sob muitos aspectos, original de pensamento na
região a partir do Relatório Econômico da América Latina de 1949, publicado
pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), em 1950”.
A
Comissão Econômica para América Latina, fundada no final da década de 1940 como
uma organização regional das Nações Unidas,[4] representou neste período o centro do debate
desenvolvimentista latino-americano, não somente no que tange às propostas de
práticas e políticas de fomento ao desenvolvimento econômico, como também no
âmbito das formulações teóricas sobre as causas e soluções para o subdesenvolvimento
que então assolava os países latino-americanos.
Como
não é objetivo aqui, nem ao menos poderia ser, traçar em pormenores todo o
perfil teórico da análise cepalina (trabalho este que demandaria tempo e espaço
faltantes), partir-se-á apenas de alguns aspectos considerados fundamentais
para um entendimento geral.
A
preocupação central que impulsionou os estudos cepalinos consistiu,
primeiramente, em encontrar explicações para o atraso dos países
latino-americanos, e, conseqüentemente, em apontar a melhor forma de superá-lo.
Essas explicações giravam, fundamentalmente, em torno do conceito
“centro-periferia”[5] capaz de polarizar as diferenças nas estruturas
sócio-econômicas, no processo de difusão do progresso técnico e distribuição
dos ganhos entre centro e periferia.
Partindo
inicialmente da questão da difusão e distribuição dos ganhos do progresso
técnico, pode-se afirmar que os autores cepalinos irão depor, no fundamental,
contra a Teoria Ricardiana das Vantagens Comparativas, segundo a qual os
benefícios da divisão internacional do trabalho se estenderiam a todos os
países.[6]
Como afirma Prebisch:
[...] ele se baseia numa premissa que é
terminantemente desmentida pelos fatos. Segundo essa premissa, o fruto do
progresso técnico tende a se distribuir de maneira eqüitativa por toda a
coletividade, seja através da queda dos preços, seja através do aumento
correspondente da renda. Mediante o intercâmbio internacional, os países de
produção primária conseguem sua parte desse fruto. Sendo assim, não precisam
industrializar-se. Ao contrário, sua menor eficiência os faria perderem
irremediavelmente os benefícios clássicos do intercâmbio. (Prebisch, 2000,
p.71).
Contra
esta concepção, o argumento defendido pela CEPAL, mais conhecido como a tese da
deterioração dos termos de troca, pretende afirma que não só essa suposta
transferência de ganhos não se efetiva, como também o que se observa
normalmente é uma transferência dos ganhos de produtividade das regiões
atrasadas para as regiões desenvolvidas, promovendo disparidades crescentes, ao
invés homogeneização da produção e apropriação da riqueza mundial. Dessa forma,
o processo de desenvolvimento do capitalismo mundial gera, por um lado, países
ricos e, por outro, países pobres, centros e periferias desse mesmo sistema.
Sem
pretender entrar em detalhes sobre essa formulação teórica, cabe apenas indicar
aqui a conclusão daí derivada, a saída para essa situação, que, segundo a
CEPAL, só pode ser encontrada no processo de industrialização. Como indicado
por Prebisch:
Daí
a importância fundamental da industrialização dos novos países. Ela não
constitui um fim em si, mas é o único meio de que estes dispõem para ir
captando uma parte do fruto do progresso técnico e elevando progressivamente o
padrão de vida das massas. (Prebisch, 2000, p.72).
Nesse
sentido, entender o processo de industrialização peculiar que então teve início
nos países latino-americanos, as especificidades de suas formações
sócioeconômicas, suas diferenças em relação ao centro capitalista, tudo isso se
torna necessário para o surgimento de propostas de políticas consistentes de
fomento a essa industrialização.
Como
destacam alguns autores, mesmo os mais críticos, o pensamento clássico da CEPAL
pode, inegavelmente, ser considerado parte importante da tradição crítica ao
pensamento ortodoxo-conservador. Além disso, como ressalta Marini (1992, p.74)
“[...] a Cepal, partindo da teoria do desenvolvimento, tal como fora formulada
nos grandes centros, introduz nela modificações, que representarão sua contribuição
teórica própria, original, e que tornarão o desenvolvimentismo latino-americano
um produto, mas não uma simples cópia da teoria do desenvolvimento”.
No
entanto, de uma forma geral, a Cepal serviu aos propósitos de difusão da teoria
do desenvolvimento; e as limitações de seu pensamento foram, em boa parte, um
“[...] tributo à relação umbilical que ela não deixou nunca de manter com a
teoria do desenvolvimento”. (Marini, 1992, p.77) Nos termos de Osorio:
[...] la teoría de Prebisch se ve de alguna manera
restringida a los parámetros de la teoría del desarrollo, en tanto supone que
la puesta en marcha y avance de la industrialización permitirá acortar las
distancias entre las regiones periféricas y el centro. En pocas palabras, las
deformaciones estructurales son un obstáculo que se puede superar en el marco
de economía capitalista, nunca un impedimento para el desarrollo. (Osorio,
2004, p.183).
Assim,
a despeito das diferenças pontuais, compartilha toda a corrente
desenvolvimentista uma mesma crença, um mesmo ideal, de superar o
subdesenvolvimento através da maior aproximação a um modelo que se mostrou
eficiente enquanto motor do desenvolvimento americano. Não que todos buscassem
ser meras reproduções desta sociedade capitalista tomada como referência; ao
contrário, parcela considerável das teorias procurou entender os entraves ao
desenvolvimento em uma tentativa de oferecer propostas condizentes com as
especificidades de cada formação social. No entanto, as saídas apontadas se
aproximam em um único aspecto: todas crêem ser necessário ao desenvolvimento
dar início a este processo capitalista de industrialização. Compartilha-se um
mesmo ideal de progresso.
De
uma forma geral é possível reconhecer em todos os teóricos do desenvolvimento a
utilização das receitas do desenvolvimento das nações capitalistas pioneiras
para propor saídas aos países subdesenvolvidos. Por fim, se é verdade que em
Myrdal e Hirschman fica mais explícita a importância da atuação do Estado,
mesmo em autores como Nurkse e Rostow é possível perceber a referência ao
Estado nacional.
Assiste-se,
no entanto, no bojo da crise dos anos 1970 e da ascensão da ideologia
neoliberal, ao declínio da Economia do Desenvolvimento. Conforme se pretende
mostrar nas próximas seções, as transformações do capitalismo, que se observam
a partir de então, irão mudar os rumos desta disciplina.
3. O DECLÍNIO DA ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO: IMPASSES
TEÓRICOS E PRÁTICOS
Albert
Hirschman publica, em 1981, um artigo intitulado Ascensão e Declínio da
Economia do Desenvolvimento com o intuito de compreender como a Economia do
Desenvolvimento, em seu ponto de vista uma disciplina recente da economia,
mostrava já na década de 1980 sinais claros de esgotamento. Com propriedade,
Hirschman (que, como visto, foi um importante teórico desse campo de estudo)
afirma que “já não há mais o antigo ânimo, que estão cada vez mais raras as
novas idéias e que a área não está se reproduzindo adequadamente”. (Hirschman,
1982, p.5).
Segundo
o autor, no entanto, as explicações normalmente dadas para a diminuição do
interesse por uma atividade científica dirigida à resolução de um problema
premente (a saber, ou o problema foi de fato solucionado, ou, no extremo
oposto, constata-se que a solução não está ao alcance e que nenhum progresso
tem sido feito) não se aplicam ao caso da Economia do Desenvolvimento: “o
problema da pobreza mundial está longe de ser resolvido, mas incursões animadoras
no terreno têm sido e estão sendo feitas. É, por conseguinte, um verdadeiro
enigma o fato de haver a Economia do Desenvolvimento florescido por tão pouco
tempo”. (Ibid, p.6).
Dessa
forma, a explicação para este fenômeno deve ser buscada nas condições sob as
quais a disciplina emergiu. De acordo com Hirschman, isso ocorreu como
resultado da conjunção de distintas correntes ideológicas que, apesar de ter se
mostrado produtiva inicialmente, criou problemas para o futuro: “primeiro, em
razão de sua feição ideológica heterogênea, a nova ciência estava submetida a
tensões que se mostrariam explosivas na primeira oportunidade. Segundo, em
razão das circunstâncias sob as quais surgiu, a Economia do Desenvolvimento se
sobrecarregou de esperanças e ambições irrealistas que logo teriam que ser
afastadas”. (Idem, ibidem).
Nem
todos, no entanto, concordam com o diagnóstico de Hirschman. Arthur Lewis,
também um dos teóricos fundadores da disciplina, em um artigo publicado em 1984
defende que o obituário de Hirschman foi precoce. Segundo Lewis (1985, p.83), a
Economia do Desenvolvimento, apesar de não estar em seus melhores dias, “está
viva e bem”.
Independentemente
dos variados diagnósticos, é fato notável que a Economia do Desenvolvimento, já
desde a década de 1960, deparou com uma série de dilemas teóricos e práticos.
Caracterizada,
segundo a tipologia de Hirschman, como uma vertente que rejeita o pressuposto
da teoria monoeconômica (ou seja, “os países subdesenvolvidos são considerados,
em relação aos países industriais avançados, um grupo distinto, definido por
características econômicas específicas que lhes são comuns”) e aceita o
pressuposto de benefícios mútuos (“as relações econômicas entre estes dois
grupos de países poderiam ser estabelecidas de forma a assegurar ganhos para
ambos”),[7] a
Economia do Desenvolvimento encontra uma primeira oposição na Economia
Ortodoxa, que aceita os dois pressupostos. (Hirschman, 1982, p.6-7).
Defendendo
claramente uma retomada dos princípios neoliberais no estudo do
desenvolvimento, Deepak Lal, em seu artigo Os Desenganos da Economia do
Desenvolvimento, argumenta que “o erro mais básico subjacente à Economia do
desenvolvimento foi a rejeição (sob várias formas) às hipóteses
comportamentais, segundo a qual tanto produtores quanto consumidores, como
falou Hicks, ‘agiriam economicamente’. Mais que isso, “o ‘princípio econômico’
não é irrealista no Terceiro Mundo; os pobres podem, de fato, ser ainda mais
fortemente levados a buscar vantagens do que os ricos” (Lal, 1994, p.234,
tradução nossa).
Segundo
o autor, o “dirigismo injustificado” (unwarranted dirigisme) defendido pelas
teorias do desenvolvimento, baseado na constatação das imperfeições de mercado,
pode ser mais nocivo que o laissez-faire. Além disso, os argumentos utilizados
pelos “intervencionistas” se baseiam na premissa implícita de uma autoridade
central onisciente.
Assim,
From the experience of a large number of developing
countries in the postwar period, it would be a fair professional judgment that
most of the more serious distortions are due not to the inherent imperfections
of the market mechanism but to irrational government interventions. (Lal, 1994,
p.241).
Uma
segunda oposição, extremamente fecunda, é oferecida pela vertente neomarxista
(especialmente pela teoria da dependência). Segundo a tipologia de Hirschman,
nas teorias neomarxistas os pressupostos de benefícios mútuos e da monoeconomia
seriam rejeitados. Ou seja, em primeiro lugar, para grande parte destes
autores, a “troca desigual” estaria na essência das relações entre a periferia
e o centro capitalista; além disso, a estrutura político-econômica dos países
periféricos é muito dessemelhante de qualquer processo já ocorrido no centro, e
o seu desenvolvimento não pode seguir o mesmo caminho. (Hirschman, 1982, p.7).
De
acordo com essa perspectiva crítica, um dos elementos centrais da teoria do
desenvolvimento que deve ser abandonado é “a idéia do desenvolvimento como um continuum
e do subdesenvolvimento como uma etapa prévia ao desenvolvimento pleno, que
seria assim acessível a todos os países que se esforçassem por reunir as
condições adequadas para isso”.[8]
(Marini, 1992, p.72). Além disso, este é, incontestavelmente, um desenvolvimento
pensado nos marcos do capitalismo: o subdesenvolvimento seria, em sua essência,
uma ausência de avanço capitalista. Assim, ao contrário da defesa dos
mecanismos de mercado e da retirada do Estado, presente na vertente ortodoxa, a
vertente marxista vai argumentar que um desenvolvimento somente é possível fora
dos marcos do sistema capitalista.
Em síntese,
Quando o caminho para o desenvolvimento se mostrou
mais árduo do que se supunha, a natureza híbrida da nova subdisciplina tornou-a
sujeita a dois tipos de ataques. A direita neoclássica culpou-a por haver
abandonado os verdadeiros princípios da monoeconomia e por ter confundido,
através de suas novas recomendações de políticas, o problema que pretendia
resolver. Para os neomarxistas, por outro lado, a Economia do Desenvolvimento
não havia ido suficientemente longe em sua análise da condição dos países
pobres: afirmavam ser tão sério o problema que nada poderia modificá-lo, senão
a mudança total na estrutura socioeconômica e nas relações com os países ricos;
e que, portanto, as assim chamadas políticas de desenvolvimento apenas criavam
novas formas de exploração e ‘dependência’. (Hirschman, 1982, p.15).
É
possível argumentar que a construção destas críticas já vinha sendo feita mesmo
antes de evidenciados os percalços do desenvolvimento. No entanto, a crise dos
anos 1970 colaborou em grande medida para o seu fortalecimento.
Isso
porque, mesmo nos casos das economias que cresceram a taxas exorbitantes, como
foi o caso brasileiro, esse crescimento ocorria às custas de uma piora na
distribuição de renda. Em termos gerais, verificou-se que “a promoção do
crescimento econômico ocasionava não raramente uma seqüência de eventos
envolvendo sério retrocesso nas outras áreas”. (Hirschman, 1982, p.20). Furtado,
falando especificamente sobre o caso brasileiro, afirma:
[...] o fato é que o país andava para frente e para
trás simultaneamente. Víamos a economia brasileira avançando nas exportações e
importações, na renda per capita. Mas, quando se olhava de perto, percebia-se
que a renda se concentrara de tal forma que uma parcela crescente da população
estava andando para trás”. (Furtado, 2004, p.62).
Hoje
em dia, com certeza, não se aceita uma política concentradora de renda. (Furtado,
2004, p.63).
Diferentemente
dos romances, neste caso o final da história pode ser adiantado justamente por
ser velho conhecido. No cabo de guerra entre o marxismo e o neoliberalismo, a
corda arrebenta para o lado mais fraco. A retomada da hegemonia neoliberal, com
sua defesa do princípio do mercado e da retirada do Estado, terá influência
decisiva sobre os novos estudos do desenvolvimento, objeto da próxima seção.
Hirschman,
em consonância com o argumento aqui defendido, oferece uma pista dos novos caminhos
trilhados pela Economia do Desenvolvimento:
Da mesma forma que o conceito do ‘típico país
subdesenvolvido’ rompeu-se em diversas categorias de países, cada um com
características próprias, assim a anteriormente básica orientação da Economia
do Desenvolvimento (a renda per capita) dissolveu-se em uma variedade de
objetivos parciais, cada qual requerendo consulta a diferentes especialistas.
(Hirschman, 1982, p.22).
Como
se pretende destacar mais adiante, a discussão sobre desenvolvimento local e territorial
seria uma destas “especialidades”, e sua projeção é em grande medida fruto
destes impasses das velhas teorias do desenvolvimento.
4. A “NOVA” ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
No
bojo das transformações do capitalismo – ideológicas e da esfera mais concreta
do desenvolvimento capitalista –, o desfalecimento do ideário
desenvolvimentista se reflete não só no surgimento de inúmeras revisões por
parte dos autores desenvolvimentistas, como também na incorporação de novas
temáticas ao debate. É como se o desenvolvimento passasse a ser discutido em
múltiplas dimensões, em comparação ao caráter unidimensional da fase
originária.
Conforme
se tentou ressaltar anteriormente, verifica-se neste período o ressurgimento da
preocupação com desigualdade de renda e pobreza. Cresce a preocupação com os
evidentes danos ambientais da produção industrial e com a face territorial da
desigualdade. Estas seriam as novas temáticas incorporadas ao debate sobre
desenvolvimento, que aparecem tanto no pensamento heterodoxo, quanto nas
vertentes mais ortodoxas.
Os
melhores exemplos da incorporação dessas temáticas no pensamento convencional
são, indubitavelmente, as bases teóricas das proposições de políticas dos
organismos multilaterais, como o Banco Mundial[9] ou
o FMI[10],
e os chamados modelos de crescimento endógeno, que incorporaram nas suas
funções de produção variáveis como capital humano, capital social e até mesmo
capital natural.
No
campo mais heterodoxo, no entanto, este mapeamento se torna ainda mais difícil.
São inúmeras as perspectivas que trabalham com essas temáticas. O exemplo mais
ilustrativo neste caso talvez seja a própria CEPAL, que passa a dar mais ênfase
às questões da eqüidade e sustentabilidade (não por acaso, a publicação do
documento Transformação Produtiva com Eqüidade irá marcar o pensamento da CEPAL
dos anos 1990). Mesmo no caso de autores como Chang (2004) que, partindo de uma
crítica às “boas políticas” prescritas pelo chamado Consenso de Washington,
resgatam a velha noção de desenvolvimento (associada à industrialização), é
patente a incorporação de novos critérios para definir desenvolvimento.
Nesse
sentido, apesar das teorias aqui indicadas apresentarem diferenças importantes
que não permitem tratá-las como um corpo teórico homogêneo, pode-se dizer que
todas elas compartilham um mesmo ideal de desenvolvimento: não mais aquele “desenvolvimento
econômico” do período anterior, medido somente em termos da produção nacional
(preferencialmente a produção per capita, incapaz de mostrar a existência de
disparidades de renda)[11] e
que tinha como meta diminuir as disparidades de renda entre as nações, mas um
desenvolvimento que é “sustentável” em sentido amplo, ou seja, um
desenvolvimento baseado em uma sustentabilidade “física” (ecológica),
“econômica (de durabilidade ao longo do tempo) e “social” (inclusiva).
Chama-se
aqui de Nova Economia do Desenvolvimento este conjunto de dimensões, com as
suas respectivas teorias, não só por acreditar que elas guardam relação entre
si (compartilhando um mesmo ideal de desenvolvimento), mas também por crer que
guardam relação com a Economia do Desenvolvimento do pós-guerra (pois, apesar
da incorporação de novas temáticas, o foco da disciplina continua sendo o
desenvolvimento).
Dessas
dimensões, no entanto, dedica-se especial atenção ao desenvolvimento local e ao
desenvolvimento territorial não só pela repercussão que tiveram nos anos 1990 e
nos anos 2000, mas também pelo conteúdo ideológico carregado por estas
perspectivas. Isso porque, se considerarmos que a natureza da Política do
Desenvolvimento Econômico do período do pós-guerra se confundia com uma
determinada forma do Estado capitalista, será possível admitir que um primeiro
nível de transformação a ser determinado pela concepção neoliberal está
relacionado ao tipo de intervenção apropriado a um mundo em que a regulação das
decisões está dada predominantemente pelo mercado. Para tanto, era preciso
mostrar que o desenvolvimento não exigia uma presença significativa do Estado,
este pensado em nível nacional.[12]
Todavia, isto se deu ao tempo em que houve uma revitalização do território,
porém numa escala subnacional, como será visto na próxima seção.
4.1. Desenvolvimento Territorial na nova Economia do
Desenvolvimento
Antes
de iniciar precisamente com a análise do papel desempenhado pelo aporte do
desenvolvimento territorial nos debates sobre desenvolvimento econômico, vale
lembrar que a preocupação com a dimensão espacial do desenvolvimento econômico
não data de tempos recentes. É possível encontrar algumas referências, ainda
que esparsas, entre os autores clássicos e em Marx.
É
apenas no período posterior à Segunda Guerra Mundial, no entanto, que se
assiste ao crescimento do interesse pelas questões urbanas e regionais com a
publicação de inúmeros de trabalhos sobre o tema. É durante a Era de Ouro que
esta temática adquire crescente relevo não só no plano mais concreto das
políticas econômicas, mas também no plano teórico. Tem origem aí a disciplina
Economia Regional e Urbana, ramo da ciência econômica tradicionalmente ligado
às questões espaciais; a partir deste momento esta área da economia se afirma
como tal, com o surgimento de livros-texto e a criação de disciplinas regulares
nos currículos universitários.
A
despeito das inúmeras formulações e dos avanços teóricos, a questão regional
ficou relegada ao segundo plano. Como, “nos anos 50 e 60, o debate sobre o
desenvolvimento regional e urbano recebeu influência direta de todas as
correntes principais das chamadas teorias do desenvolvimento econômico [...],
ocorre uma transposição muitas vezes direta do debate internacional e nacional
para a escala regional”. (Brandão, 2003, p.33). Sobre o âmbito mais concreto da
política econômica, destaca-se que “a preocupação com a política regional ficou
muito atrás de outros aspectos da intervenção governamental mesmo depois que
muitos economistas perdessem sua fé radical na economia de mercado”.
(Richardson, 1975, p.17).
Neste
período de auge da Economia do Desenvolvimento, a ênfase recaía sobre o âmbito
Nacional; pensava-se muito mais em como dissipar as desigualdades nessa esfera.
Além disso, note-se que em todos os casos a política regional foi pensada “de
cima para baixo”, ou seja, como um processo que emana do Estado. Com a crise do
desenvolvimentismo e ascensão do neoliberalismo, observa-se o declínio desse
tipo de política, e conseqüentemente o declínio da “região” como lócus de
atuação política.[13]
Nos termos de Vainer (2002), é neste período que os estudiosos do tema começam
a questionar qual a escala de ação política pertinente ou prioritária, seja
para a análise econômica e social, seja para a ação política eficaz.
Ocorre,
no entanto, um fenômeno, relativamente recente, de revalorização do espaço na
economia. Como ressalta Vainer:
Não seria exagero dizer que o debate intelectual e
político se vem realizando sob o signo de categorias que remetem às escalas
espaciais: globalização, blocos regionais, desenvolvimento local, dissolução
das fronteiras nacionais, identidades locais, entre outras, são expressões que
freqüentam com igual intensidade tanto os trabalhos e encontros acadêmicos
quanto os meios de comunicação de massa e o debate político. (Vainer, 2002,
p.14).
No
que se refere aos estudos sobre as desigualdades espaciais e sobre os meios de
promover o desenvolvimento destes espaços, destaca-se o surgimento do
território e do desenvolvimento territorial. Segundo Shneider (2004, p.102), “é
neste contexto que ganha relevo o território, agora como uma noção com estatuto
operacional que permite a superação dos condicionantes e limites do aporte
regional”. Conforme será destacado mais adiante, também neste mesmo período,
assiste-se ao surgimento do local – e, conseqüentemente, do desenvolvimento
local. No entanto, apesar de estarem ligados a correntes teóricas não muito
distintas, estas noções não só apresentarão conteúdos diferentes, como também
irão se desdobrar em práticas políticas diferentes.
De
fato, um dos aspectos que a revitalização do território na ciência econômica
traz à tona é o das escalas de ação política. A elas são associados níveis
teóricos, de maneira que a escala pertinente ou prioritária, seja para a
análise econômica e social, seja para a ação política eficaz, passa a ser uma
questão relevante. Atualmente este debate, ao contrário do período anterior
(quando a ênfase era posta no regional e no nacional), tem-se estruturado sobre
as oposições entre o local e o global. Portanto, o que se assiste é o domínio
tanto da escala local quanto da escala global, com subordinação teórica e
política da escala nacional, em cujo âmbito está muito bem definido o papel do
Estado em garantir a estabilidade, ou em dar as bases para o funcionamento
regulador do mercado. (Vainer, 2002, p.14)
De
acordo com esta perspectiva, o local adquiriu uma importância estratégica para
se alcançar o desenvolvimento. Os governos locais (escala subnacional) estariam
em condições de atrair empresas e promover sua competitividade. Ou seja, os
governos locais gozam de “[...] muita flexibilidade, adaptabilidade e
capacidade de manobra em um mundo de fluxos entrelaçados, demandas e ofertas
cambiantes e sistemas tecnológicos descentralizados e interativos”. Além disso,
eles oferecem base histórico-cultural para a integração dos indivíduos. Ou
seja, os governos locais gozam de uma “maior capacidade de representação e
legitimidade com relação a seus representados; são agentes institucionais de
integração social e cultural de comunidades territoriais”. (Borja e Castells
apud Vainer, 2002, p.17).
E
se por um lado os governos locais adquiriram importância estratégica, por
outro, de acordo com esta perspectiva, os Estados nacionais se tornaram
duplamente frágeis: são ao mesmo tempo “demasiadamente pequenos para controlar
e dirigir os fluxos globais de poder, riqueza e tecnologia, e demasiadamente
grandes para representar a pluralidade de interesses sociais e identidades
culturais da sociedade, perdendo legitimidade tanto enquanto instituições
representativas como enquanto organizações eficientes”. (idem, ibidem, grifos
nossos).
Vale
notar que uma perspectiva como essa, chamada aqui de localista, pode ser
encontrada em diversos autores e correntes, não sendo possível oferecer um
mapeamento preciso de sua extensão. No entanto, mesmo não constituindo um corpo
teórico homogêneo, é possível afirmar que “[...] a rejeição da escala nacional
e do Estado nacional como campo e ator predominantes da ação política” está
presente em todos os adeptos dessa perspectiva. (Vainer, 2002, p.20). O lema é
“engajar as cidades e os lugares na competição global”. (Ibid, p.16). E esta
noção, hoje hegemônica, é defendida e difundida sistematicamente pelos
organismos multilaterais e agências globais.
Assim
como defendido pela ideologia neoliberal, grande parte das teorias que utilizam
o enfoque do desenvolvimento local apreende a globalização como algo inexorável
e irreversível, que tendencialmente romperia os limites do controle dos Estados
nacionais, estruturalmente fragilizados. Assim como os teóricos da globalização
(globalistas), muitos teóricos do desenvolvimento local (localistas) consideram
que, com o processo de globalização, o Estado perdeu força e deixou, portanto,
de ser uma esfera de poder prioritária. É nesse sentido que para essas
abordagens a política de desenvolvimento não pode ser mais produto tipicamente
de uma ação pública de Estado, mas resultado da convergência de ações de
múltiplos atores, alguns deles atuando nos âmbitos privado ou supranacional.
Vale
a pena realçar que poucos são os que questionam a existência de um processo de
globalização (ou mundialização), embora exista uma série de divergências nas
interpretações sobre a natureza e sentido desse processo. Exemplo: enquanto de
acordo com a perspectiva globalista assiste-se à progressiva unificação do
espaço global, causa e conseqüência do desmantelamento dos Estados nacionais,
para outros “a globalização não é uma homogeneização, mas, ao contrário, é a
extensão de um pequeno grupo de nações dominantes sobre o conjunto das praças
financeiras nacionais”. (Bourdieu, 1998, p.54).
Além
disso, há dissenso quando se trata da necessidade histórica do processo de
globalização como avanço civilizatório e elemento dinâmico da produção global.
Destacam-se como mais numerosos os que acreditam na inevitabilidade e
irreversibilidade da globalização, assumindo que as suas causas seriam também
inevitáveis e irreversíveis. Em contraponto, estão os que defendem que “a
‘globalização’ não é [seja] uma nova fase do capitalismo, mas uma retórica
‘invocada’ pelos governos para justificar sua submissão voluntária aos mercados
financeiros”. (Bourdieu e Wacquant, 2000).
Em
resumo: os globalistas e localistas estariam então no primeiro grupo: o dos que
acreditam na unificação do espaço global e na sua necessidade histórica. E
apesar das inúmeras posturas analíticas e projetos políticos reconhecíveis no
campo dos globalistas, um ponto de convergência é o reconhecimento, conformado
ou entusiasta, de que o Estado nacional é cada vez mais impotente para fazer
frente aos desafios colocados pelas realidades políticas, econômicas, sociais,
culturais e ambientais. Este é também um ponto de convergência com o localismo.
(Vainer, 2002, p.16).
No
caso do desenvolvimento territorial, ao contrário, ainda se considera o Estado
parte importante do processo. Como destaca Shneider:
[...] o território emerge como nova unidade de
referência para a atuação do Estado e a regulação das políticas públicas.
Trata-se, na verdade, de uma tentativa de resposta do Estado, entendido como
instituição jurídico-social, às fortes críticas a que vinha sendo submetido,
sobretudo tendo em vista a ineficácia e a ineficiência de suas ações, seu alto
custo para a sociedade e a permanência das mazelas sociais mais graves como a
pobreza, o desemprego, a violência, etc. (Shneider, 2004, p.102).
Estes
não são, no entanto, os que reivindicam, no debate sobre as escalas de ação
política, a centralidade da escala nacional (chamados de neonacionalistas). De
acordo com a perspectiva neonacionalista,
[...] ao escamotearem a escala nacional, globalistas e
localistas de todos os tipos estariam fazendo o jogo da própria globalização,
cujo ponto de ataque central, não por acaso, é o Estado nacional, única escala
e instituição escalar em condições de viabilizar, suscitar, a construção de
alternativas viáveis ao capitalismo simultaneamente globalitário e
fragmentador. (Vainer, 2002, p.21).
Fugindo
um pouco a estas perspectivas, conhecidas por adotarem uma postura uniescalar,
a corrente do desenvolvimento territorial defende a combinação das múltiplas
escalas – conformando o que se convencionou chamar de estratégia transescalar.
Isso porque, ao mesmo tempo em que pode ser interessante uma atuação mais forte
dos governos na promoção do desenvolvimento de suas localidades, qualquer
projeto econômico restrito apenas ao âmbito local está fadado ao fracasso.
Nesse
sentido, advogam estes autores a necessidade tanto de uma abordagem quanto de
uma estratégia transescalar; ou seja, o tratamento transescalar é necessário
tanto em termos analíticos (escalas de análise), quanto para a construção de
estratégias e projetos políticos. Como destaca Vainer (2002, p.25), “qualquer
projeto (estratégia?) de transformação envolve, engaja e exige táticas em cada
uma das escalas em que hoje se configuram os processos sociais, econômicos e
políticos estratégicos”.
O
grande exemplo de desenvolvimento territorial nos dias atuais é oferecido pela
União Européia. A idéia é unir o que se convencionou chamar de “desenvolvimento
de baixo para cima” e “desenvolvimento de cima para baixo”. Nesse sentido, no
caso da União Européia, se manteve os dois termos: ordenamento e
desenvolvimento territorial. “[...] ordenamento seria algo ‘consentido,
outorgado e redistribuitivo’, enquanto o desenvolvimento seria ‘desejado,
partilhado e produtor de riquezas’. [...] se pretende cruzar, num mesmo espaço,
uma política ‘descendente (ordenamento) com uma política ascendente
(desenvolvimento)’”. (Veiga, 2002, p.13).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme
mostrado ao longo da primeira seção, emerge no pós-guerra uma disciplina no
interior da ciência econômica conhecida como Economia do Desenvolvimento. E,
apesar do grande número e da diversidade de teorias que compõem a disciplina,
foi possível identificar algumas características comuns a todas elas.
Primeiramente, é patente a existência de uma mesma visão de mundo compartilhada
por toda a Economia do Desenvolvimento. Assim, de uma forma geral é possível
reconhecer em todos os teóricos do desenvolvimento a utilização das receitas do
desenvolvimento das nações capitalistas pioneiras para propor saídas aos países
subdesenvolvidos. Além disso, e mais importante, é possível perceber que todos
os autores têm como referência centrar para a promoção do desenvolvimento o
Estado nacional.
No
entanto, se por um lado o Desenvolvimento Econômico emergiu como uma temática
de extremo sucesso no campo da economia, por outro, em um período relativamente
curto de tempo, assiste-se ao seu declínio. No bojo da crise dos anos 1970,
ascensão da ideologia neoliberal e transformações na estrutura produtiva, a
Economia do Desenvolvimento depara com uma série de dilemas teóricos e
práticos.
Como
resultado desse processo, o tema do desenvolvimento se tornou certamente mais
amplo no conjunto das suas questões do que havia sido nos anos 1950,
principalmente devido à incorporação de novas temáticas. Ao substantivo
“desenvolvimento” são apensados inúmeros adjetivos, conferindo ao termo uma
suposta multiplicidade. Esta fragmentação interna à disciplina deu origem, no
entanto, a uma série de subtemáticas e delimitações de escala que tornaram o
campo do desenvolvimento mais complexo e difícil de ser compreendido na sua
dimensão global.
Embora
não tenha havido aqui a pretensão de cobrir o conjunto das teorias de
desenvolvimento, aquelas indicadas são suficientes para configurar perspectivas
que se situam no campo da disciplina Desenvolvimento Econômico, porém com
qualificações, segmentações e posturas teóricas distintas daquelas originárias.
Essas mudanças indicam o caminho do abandono do qualificativo econômico, em
favor de uma disciplina mais complexa e pretensamente abrangente que seria a do
Desenvolvimento. Neste sentido, a Nova Economia do Desenvolvimento manteria
pouco da perspectiva da sua origem, segmentando-se e ampliando-se por novas
dimensões.
Acredita-se,
no entanto, que esta segmentação/ampliação, apesar de seu caráter aparentemente
positivo, traz problemas de outra grandeza para o entendimento do fenômeno. Em
primeiro lugar, como até mesmo Cardoso (1995, p.150) reconhece, com este
processo o desenvolvimento deixa de ter a força fundadora e unificadora que
possuía nos anos 1960.
Indo
um pouco além, é possível perceber que estas novas concepções deslocam do eixo
das preocupações a disparidade de níveis de desenvolvimento econômico entre os
países (base da desilusão de Hirschman). No atual contexto de mudança
ideológica do papel do Estado, num mundo integrado pelo mercado internacional
unificado e pelo espaço diplomático supranacional da ONU, o tema
desenvolvimento parece perder identidade com o espaço nacional. O foco das
preocupações, diferentemente do período anterior, não é mais diminuir as
disparidades no desenvolvimento das nações.
Em
síntese, o ponto a destacar é que a incorporação destas novas perspectivas no
debate sobre desenvolvimento econômico, por vezes embaçam a existência de uma
hierarquia global. A constituição do espaço supranacional e a importância
crescente assumida pelos Organismos Multilaterais e suas “agendas globais” para
o desenvolvimento não eliminam a velha polarização Norte-Sul, a estratificação
global, a diferença sistêmica (dissimulada agora pela noção de uma integração
dos espaços globais).
E,
neste sentido, a perspectiva do desenvolvimento local/territorial é exemplar.
Um
primeiro ponto digno de nota é que, em muitos casos, a idéia de local tem sido
tomada com auto-explicativa. A definição do que é (ou o que deveria ser) o
local raramente aparece. Assim, o local adquire uma série de significados e
usos.[14]
Contudo, essas dificuldades teórico-conceituais não parecem preocupar os
“homens práticos”. A solução encontrada parece simples (além de bastante pragmática):
o local é o “espaço escolhido pelos planejadores para intervir”. (Vainer, 2002,
p.19).
O
mesmo vale para o impreciso conceito de território. Segundo Veiga (2002, p.12),
“as vantagens das palavras ‘espaço’ e ‘território’ são evidentes: não se
restringem ao fenômeno ‘local’, ‘regional’, ‘nacional’ ou mesmo ‘continental’,
podendo exprimir simultaneamente todas essas dimensões”. E se, por um lado,
“parece estar havendo, de fato, uma revalorização da dimensão espacial da
economia; [...] tudo indica que tal evolução está longe de permitir que se
considere a expressão ‘desenvolvimento territorial’ como um conceito
propriamente dito”. (Veiga, 2002, p.5).
Segundo
se entende aqui, se o território for considerado uma base geográfica do Estado,
base sobre a qual o Estado exerce sua soberania, o território expressa uma
condição de poder, de poder político de Estado. E neste sentido, a idéia de
desenvolvimento local/territorial não poderia ser dissociada da noção de
Estado. Muitos defensores do desenvolvimento territorial, principalmente os que
se filiam ao desenvolvimento local, ao contrário, costumam ignorar o fato de
haver uma hierarquia de poder no âmbito nacional.
Como
se viu, há uma corrente defensora do desenvolvimento territorial que considera
o Estado como uma esfera relevante. Mesmo nestes casos em que o desenvolvimento
das regiões aparece como uma política de Estado, persiste o desprezo em relação
à disparidade de níveis de desenvolvimento econômico entre os países.
Este
debate pode se tornar ainda mais desalentador, ao se pensar que a nova
ideologia vigente, o neoliberalismo, limita as possibilidades do Estado como
ator do desenvolvimento – papel que passa a ser atribuído ao mercado, como
fruto natural da dinâmica capitalista. Até que ponto não é esse discurso um
mero recurso ideológico cujo fim é ocultar uma ordem internacional que
necessita de países pobres e ricos – tanto quanto necessita de classes
privilegiadas e despossuídas, aqueles que trabalham e os que se apropriam do
trabalho de outros. Admitir essa outra possibilidade implica corrigir os termos
em que se vem discutindo o desenvolvimento econômico, a começar pela própria
conceituação do termo e pela correção das expectativas em relação a um
desenvolvimento nos marcos do modo de produção capitalista.
Referências:
BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: tática para enfrentar a
invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Loïc. A Nova Bíblia do Tio
Sam. Le Monde Diplomatique, maio, 2000. Disponível em: . Acesso em: 17/10/2006.
BRANDÃO, Carlos Antônio. A Dimensão Espacial do
Subdesenvolvimento: uma agenda para os estudos regionais e urbanos. 2003. 200
f. Tese (Livre-docência em Economia). Instituto de Economia, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas.
CARDOSO, Fernando Henrique. Desenvolvimento: o mais
político dos temas. Revista de Economia Política, v.15, n.4, out/dez, 1995. pp.
148-155.
CHANG, Ha-Joo. Chutando a Escada: a estratégia do
desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: UNESP, 2004.
DOS SANTOS, Theotônio. A Teoria da Dependência:
balanços e perspectivas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. FIORI,
José Luís. De Volta à Questão da Riqueza de Algumas Nações. In: FIORI, José
Luíz (org). Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações. Petrópolis: Vozes,
1999.
FURTADO, Celso. Sem ciência social, economia é pura
álgebra. Nossa História, out., 2004. Entrevista, pp.58-63.
FURTADO, Celso. Teoria e Política do Desenvolvimento
Econômico. São Paulo: Nacional, 1969.
GONZÁLES, Román Rodríguez. La Escala Local del
Desarrollo: definición y aspectos teóricos. Revista de Desenvolvimento
Econômico, ano 1, n.1, nov., 1998. Disponível em: . Acesso em: 16/05/2006.
HIRSCHMAN, Albert. A Estratégia de Desenvolvimento
Econômico. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.
HIRSCHMAN, Albert. Ascensão e Declínio da Economia do
Desenvolvimento. Revista de Ciências Sociais, v.25, n.1, 1982.
JONES, H. G. Modernas Teorias do Crescimento
Econômico: uma introdução. São Paulo: Atlas, 1979.
LAL, Deepak. The Misconceptions of “Development
Economics”. In: KANTH, Rajani (ed.). Paradigms in Economic Development: classic
perspectives, critiques, and reflections. New
York: M. E. Sharpe, 1994.
LEWIS, A. O Desenvolvimento Econômico com Oferta
Ilimitada de Mão-de-Obra. In: AGARWALA, A. N.; SINGH, S. P. (org) A Economia do
Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Forence, 1969.
LEWIS, W. Arthur. A Situação da Teoria do
Desenvolvimento. Economic Impact, 1985/1.
MARINI, Ruy Mauro. América Latina: dependência e integração. São Paulo: Brasil Urgente,
1992.
MYRDAL, Gunnar. Teoria Econômica e Regiões
Subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: Saga, 1965.
NURKSE, Ragnar. Problemas de Formação de Capital em
Países Subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1957.
OSORIO, Jaime. Crítica de la Economía Vulgar:
reproducción del capital y dependencia. México: Universidad Autónoma de
Zacatecas, 2004.
PREBISCH, Raúl. O Desenvolvimento Econômico da América
Latina e Alguns de seus Problemas Principais. In: BIELSHOWSKY, Ricardo (org).
Cinqüenta Anos de Pensamento na Cepal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
RICHARDSON, Harry W. Economia Regional: teoria da
localização, estrutura urbana e crescimento regional. Rio de Janeiro: Zahar,
1975.
ROSENSTEIN-RODAN, P. N. Problemas de Industrialização
da Europa Oriental e Sul-Oriental. In: AGARWALA, A. N.; SINGH, S. P. (org) A
Economia do Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Forence, 1969.
ROSTOW, W. W. Etapas do Crescimento Econômico: um
manifesto nãocomunista. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
SHNEIDER, Sérgio. A Abordagem Territorial do
Desenvolvimento Rural e suas Articulações Externas. Sociologias, Porto Alegre,
ano 6, n. 11, jan/jun, 2004.
VAINER, Carlos Bernardo. As escalas do poder e o poder
das escalas: o que pode o poder local? Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, ano XV,
n.2, ago/dez, 2001; ano XVI, n.1, jan/jun, 2002.
VEIGA, José Eli da. A Face Territorial do
Desenvolvimento. Interações – Revista Internacional de Desenvolvimento Local,
v.3, n.5, set., 2002.
[1] O marxismo vulgar teve como característica mais
notável a aplicação da metáfora base/superestrutura, sendo a “base econômica”,
entendida em termos não-sociais e tecnicistas, e a “superestrutura” legal,
política e ideológica que a reflete ou corresponde a ela como coisas
qualitativamente diferentes, esferas mais ou menos fechadas e separadas. (Wood,
2003, p.28). Em síntese, a utilização da metáfora base/superestrutura acentua a
separação e o fechamento das esferas – por mais que insista na ligação de uma com
a outra, ou mesmo no reflexo de uma na outra. (Wood, 2003, p.29-30).
[2] A “formação de capital” deve ser entendida aqui como um processo que
ocorre quando uma dada sociedade não destina toda sua capacidade produtiva à
produção de bens de consumo, ou seja, parte desta é empregada à produção de
bens de produção.
[3] Exemplificando essa concepção de “circulo vicioso da pobreza” diz
Nurkse (1957, p.7): “um homem pobre não tem o bastante para comer; sendo
subalimentado, sua saúde é fraca; sendo fisicamente fraco, sua capacidade de
trabalho é baixa, o que significa que ele é pobre, o que, por sua vez, quer
dizer que não tem o bastante para comer; e assim por diante. Tal situação,
transposta para o plano mais largo de um país, pode ser resumida nesta
proposição simplória: um país é pobre porque é pobre”.
[4] Após uma portaria de 1984 a Comissão Econômica para América Latina se
tornará Comissão Econômica para América Latina e Caribe.
[5] Um primeiro ponto importante a destacar se refere ao fato de, como
indicado anteriormente, o conceito de subdesenvolvimento só surgir no momento
em países recém descolonizados apresentam esta tal formação capitalista
incompleta; nesse mesmo sentido, o surgimento dos conceitos de centro e
periferia também pode ser inserido nesse contexto, pois, no geral, se referem
ao centro e a periferia do mundo capitalista.
[6] Segundo Marini (1992, p.75), “No plano teórico, a contribuição mais
importante da Cepal é sua crítica à teoria clássica do comércio internacional”.
[7] Vale notar que esta caracterização de Hirschman merece algumas
ressalvas. Primeiro, sobre o pressuposto da teoria monoeconômica, o próprio
Hirschman afirma que “a partir da observação de grupos externos, primeiro surge
a surpreendente constatação de diversidade e daí se segue a ainda mais
espantosa descoberta de que o nosso grupo não é assim tão diferente”.
(Hirschman, 1982, p.11-12). Essa conclusão tem sido bastante comum nos estudos
antropológicos, mas, de acordo com Hirschman, também se aplica ao caso da
economia do desenvolvimento que toma os países subdesenvolvidos como o “grupo
externo”. Segundo, é evidente que a vertente latino-americana da economia do
desenvolvimento, apresentada no capítulo 1, a partir da tese da deterioração
dos termos de troca vai rejeitar o princípio dos benefícios mútuos.
[8] A adoção desta perspectiva traz inconvenientes metodológicos sérios.
Como desenvolvimento e subdesenvolvimento são o mesmo, só podem ser
diferenciados mediante a aplicação de critérios quantitativos: “Primeiro, ao
ser essencialmente descritiva, não oferecia qualquer possibilidade explicativa.
Segundo, o resultado a que chegava era uma perfeita tautologia: uma economia
apresentava determinados indicadores porque era subdesenvolvida e era
subdesenvolvida porque apresentava esses indicadores”. (Marini, 1992, p.73).
Como visto no capítulo primeiro, na concepção de “circulo vicioso da pobreza”
de Nurkse “um país é pobre porque é pobre”.
[9] A ênfase dada à questão da desigualdade de renda e
pobreza por esta instituição aparece repetidamente no seu documento de maior
repercussão: World Development Report. O WDR de 1990, intitulado Poverty, o de
2000/2001 (Attacking Poverty) e 2006 (Equity and Development) possuem
claramente este viés. O foco na questão ambiental aparece um pouco mais
recentemente. O WDR de 2003, intitulado Sustainable Development in a Dinamic
World, pode ser citado como exemplo da incorporação da temática ambiental pela
instituição.
[10] Nesse sentido, é significativo o fato de o FMI ter
incorporado recentemente no rol de condicionalidades, impostas às nações
“assistidas”, cláusulas “sociais”.
[11] A centralidade dessa unidade de medida é
freqüentemente reiterada pelos teóricos do desenvolvimento. Como afirma Lewis
(1984, p.77): “A economia do desenvolvimento lida com a estrutura e o
comportamento das economias nas quais a produção per capita é inferior a 2 mil
dólares (dólares dos Estados Unidos, de 1980)”.
[12] Tomando como referência o caso brasileiro, fica bastante claro que o
Estado que se discutia no âmbito da teoria do desenvolvimento era aquele que se
identificava ao âmbito da União, isto é, à esfera Federal. As demais esferas –
estadual e municipal – certamente cumprem funções complementares, mas têm uma
lógica mais fortemente ligada aos “serviços públicos” e menos à
coordenação\liderança do desenvolvimento capitalista.
[13] “O desgaste da noção de região e, mais precisamente, de desenvolvimento
ou planejamento regional, inicia-se com a crise da capacidade de intervenção
macroeconômica e macrossocial do Estado, que ocorre a partir de meados da
década de 1970 e se agudiza na década seguinte, especialmente com a influência
crescente do ideário neoliberal sobre as perspectivas keynesianas que vigoravam
desde o final da Segunda Guerra Mundial”. (Shneider, 2004, p.100).
[14] No artigo de Gonzáles (1998) isto pode ser visto claramente. Neste
trabalho, o autor apresenta aproximadamente oito diferentes definições de
desenvolvimento local.