Manuel Coutinho Carmo Bucar Corte Real, SE, M.Ec.

Chefe Departamento de Ciência da Economia da FE da UNTL, Fevereiro-Setembro de 2000, Decano da FE da UNTL, Setembro de 2000 até Agosto de 2006, Inspector Geral do Estado, Agosto de 2006-Setembro de 2007, -Comissario Adjunto da CAC de Timor-Leste (2010 - 2018),
Docente Senior da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Nacional de Timor Loro-Sa´e
(Mês de Junho de 2000 até presente, 2023)

O Mundo de Informações

A Economia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica: novos rumos da disciplina


Grupo de Pesquisa: Desenvolvimento Territorial e Ruralidade

Resumo Nasce no período do pós-guerra uma disciplina no interior da ciência econômica conhecida como Economia do Desenvolvimento. Entretanto, se por um lado o Desenvolvimento Econômico emergiu como uma temática de extremo sucesso no campo da economia, por outro, em um período relativamente curto de tempo, verificase o seu declínio. Como resultado desse processo, o tema do desenvolvimento se tornou mais amplo, principalmente devido à incorporação de novas temáticas. Ao substantivo “desenvolvimento” são apensados inúmeros adjetivos, conferindo ao termo uma suposta multiplicidade. Esta fragmentação interna à disciplina deu origem a uma série de subtemáticas que tornaram o campo do desenvolvimento mais complexo e difícil de ser compreendido na sua dimensão global. Lançando um olhar mais atento sobre as questões acima indicadas, o presente trabalho busca – através de um resgate da Economia do Desenvolvimento e das principais mudanças no cenário histórico mundial – explicar (1) os novos rumos da disciplina, (2) os processos que levaram à transmutação histórica da discussão de desenvolvimento econômico numa discussão fragmentada e (3) a natureza mesma desta fragmentação.
Palavras-chave: Desenvolvimento territorial; teoria do desenvolvimento;
Abstract In the post-War period rises in Economics something known as Economic Development. However, if it is true that the Development Economics had achieved an incredible success, it is also true that it had a real short lifetime. As result of that process, the development thematic became vague, especially due to the incorporation of new themes within it. To the substantive "development" new adjectives were attached, giving to the term a pretense multiplicity. This fragmentation of the discipline originated a series of sub thematic that made the development studies more complex and difficult to be understood in its global dimension. Looking more carefully at these questions, this paper seeks – by rescuing the old Development Economics and the major historical changes in the world's scenario – to explain (1) new paths in this discipline, (2) processes that lead to the historical changes of the development economics debate into a fragmented one, and (3) the nature of this fragmentation.
Key Words: territorial development; development theory;
1.      INTRODUÇÃO
Nos termos de Albert Hirschman (1982), nasce no período do pós-guerra, mais especificamente nos anos 1950, uma disciplina no interior da ciência econômica conhecida como Economia do Desenvolvimento. Entretanto, se por um lado o Desenvolvimento Econômico emergiu como uma temática de extremo sucesso no campo da economia, por outro, em um período relativamente curto de tempo, assiste-se ao seu declínio, não apenas no campo estritamente teórico, mas também na medida em que se transformara em prática e discurso político. O mesmo Hirschman, um dos responsáveis pelo interesse acadêmico e social da disciplina, em um artigo de grande repercussão sustenta que a disciplina do desenvolvimento econômico havia se esgotado.
Este período de crise na disciplina (que vai de meados dos anos 1960 a meados dos anos 1980, aproximadamente) é importante, pois nele ocorre uma mudança de paradigma do processo de acumulação de capital em nível global. Aqui a referência é às mudanças de padrão tecnológico de produção e também às que ocorrem no campo das finanças globais.
No entanto, nos anos 1980, gradualmente, volta à tona o debate sobre desenvolvimento no âmbito das agências multilaterais, sobretudo do Banco Mundial, no bojo das discussões a respeito da deterioração ambiental e da renitente presença da pobreza e da fome em nível global, não obstante a superação definitiva da incapacidade da produção de alimentos em fazer frente às necessidades humanas. Ficavam evidentes as disparidades de condições de vida. A velha noção do desenvolvimento econômico parecia limitada para dar conta da amplitude destes problemas.
O resultado desse processo é surpreendente. O tema do desenvolvimento tornou-se certamente mais amplo no conjunto das suas questões do que havia sido nos anos 1950, principalmente devido à incorporação de novas temáticas. Ao substantivo “desenvolvimento” são apensados inúmeros adjetivos, conferindo ao termo uma suposta multiplicidade. Esta fragmentação interna à disciplina deu origem, no entanto, a uma série de subtemáticas e delimitações de escala que tornaram o campo do desenvolvimento mais complexo e difícil de ser compreendido na sua dimensão global.
Fernando Henrique Cardoso (1995) faz referência a este processo de fragmentação como sendo o resultado de um mundo que havia se tornado mais complexo, no qual as discussões de desenvolvimento econômico não teriam mais lugar, sobretudo se fosse considerado o fato de que o espaço supranacional se tornava privilegiado nas discussões das ações de temporalidade mais longa. E apesar dos problemas que a atual perspectiva do desenvolvimento pode engendrar, considera o autor que tal mudança “constitui claramente um ganho”.
Lançando um olhar mais atento sobre as questões acima indicadas, o presente trabalho busca, através de um resgate da Economia do Desenvolvimento e das principais mudanças no cenário histórico mundial, explicar os novos rumos da disciplina, os processos que levaram à transmutação histórica da discussão de desenvolvimento econômico numa discussão fragmentada, nos termos apresentados acima, e a natureza mesma da fragmentação, procurando auferir uma possível lógica de composição.
Considerando as limitações próprias a um trabalho da natureza que se pretende produzir e a amplitude das correntes e teorias que podem ser enquadradas no campo do desenvolvimento econômico, as discussões sobre desenvolvimento territorial e local foram aqui eleitas como representantes desta que será aqui chamada de Nova Economia do Desenvolvimento. Esta escolha se justifica na medida em que, incorporadas ao rol das novas temáticas e tendo se projetado, em parte, como fruto dos impasses das velhas teorias do desenvolvimento, evidenciam algumas das principais características da “nova” disciplina.
Um último ponto pertinente a esta breve introdução tem caráter essencialmente metodológico e diz respeito à opção aqui feita de capturar o caminho trilhado pela disciplina Economia do Desenvolvimento não apenas a partir de sua lógica interna, mas também através de uma recuperação das mudanças no cenário histórico mundial.
Diferentemente do que poderia parecer à primeira vista, essa escolha não decorre da crença de que das especificidades de um determinado período histórico derivam direta e unilateralmente as formas de pensamento, as formas de ver o mundo, como costumeiro no marxismo vulgar.[1] O que se defende aqui é, ao contrário, a adoção de uma perspectiva materialista-histórica, segundo a qual existe uma interação dialética entre história e teoria, uma ligação orgânica. E, nesse sentido, busca-se aqui apontar a ligação entre história concreta e pensamento, acreditando ser a apreensão deste paralelo necessária ao entendimento do objeto de estudo do presente trabalho, como se pretende mostrar nas linhas que se seguem.

2.      A “VELHA” ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
Como indicado acima, nasce no período do pós-guerra uma disciplina no interior da ciência econômica conhecida como Economia do Desenvolvimento, composta pelo pensamento anglo-saxão e pelos autores latino-americanos da CEPAL (componentes significativos dessa onda desenvolvimentista que tomou conta do pensamento econômico mundial).
Dentre os autores do primeiro grupo, destacam-se os trabalhos pioneiros de Rosenstein-Rodan (1969) e Ragnar Nurkse (1957), influenciados fundamentalmente pelo conceito de “crescimento equilibrado”, presente no modelo Harrod-Domar. Walter Rostow (1978) e Artur Lewis (1969) seguem a mesma linha e, sob alguns aspectos, vão além dos antecessores. Uma crítica a esta noção de crescimento equilibrado é fornecida por Gunnar Myrdal (1965) e Albert Hirschman (1961), que se destacam em sua época com a tese da “causação cumulativa” e do “crescimento desequilibrado” – e, neste sentido, são autores marcados pela maior proximidade ao estruturalismo latino-americano.
A necessidade de capturar a essência dessas teorias, mas sem o compromisso e a pretensão de esgotar o assusto, exige a escolha de alguns teóricos considerados representantes dessas três vertentes do pensamento anglo-saxão, a saber, Nurkse, Rostow e Myrdal. A corrente denominada estruturalista, que se refere ao pensamento social latinoamericano, será abordada em separado, devido as suas peculiaridades.
Na busca pelos mecanismos que condicionam determinada economia a um estado de subdesenvolvimento, Nurkse vincula esta problemática fundamentalmente à formação de capital,[2] sendo este fator capaz de diferenciar países desenvolvidos de subdesenvolvidos, conforme fica explícito nesta passagem: “As chamadas ‘áreas subdesenvolvidas’ em confronto com as avançadas, são aquelas que se encontram subequipadas de capital em relação à sua população e recursos naturais”. (Nurkse, 1957, p.3) No entanto, esta formação de capital está sujeita a ação de forças circulares que agem no sentido de manter as economias em um “estado de equilíbrio de subdesenvolvimento”. Esse mecanismo ficou conhecido como círculo vicioso da pobreza.[3] Nesse sentido, de acordo com a visão de Nurkse, existiriam dois pontos de equilíbrio: o primeiro, mantenedor da economia subdesenvolvida em um estado de equilíbrio de subdesenvolvimento; e, o segundo, que após o rompimento com o círculo vicioso da pobreza, induz a economia a um estado de crescimento equilibrado.
Myrdal, ao contrário, lança as bases para a noção de causação circular acumulativa, destacando que, se não controlado, o processo de mudanças sociais tende a provocar desequilíbrios crescentes. Com isso, mostra como, ao contrário da produção de um crescimento equilibrado, o que constantemente se evidencia no jogo das forças econômicas é a emergência de um crescimento desequilibrado. Sobre este aspecto, ressalta:
A idéia que pretendo expor é a de que, ao contrário, em geral não se verifica essa tendência à auto-estabilização automática no sistema social. O sistema não se move, espontaneamente, entre forças, na direção de um estado de equilíbrio, mas, constantemente, se afasta dessa posição. Em geral, uma transformação não provoca mudanças compensatórias, mas, antes, as que sustentam e conduzem o sistema, com mais intensidade, na mesma direção da mudança original. Em virtude dessa causação circular, o processo social tende a tornar-se acumulativo e, muitas vezes, a aumentar, aceleradamente, sua velocidade. (Myrdal, 1965, p.34).
Essa noção de causação acumulativa pode ser encontrada também no interior do modelo Harrod-Domar que, após descrever como seria o crescimento equilibrado – conceito, como apontado anteriormente, utilizado por Nurkse em sua análise – destaca alguns problemas relacionados à sua viabilidade. O chamado segundo problema de Harrod pretende mostrar, de forma análoga a causação acumulativa de Myrdal, como “Desvios da taxa verdadeira de crescimento numa economia do tipo Harrod da taxa garantida [...] longe de serem autocorretivos, são cumulativos de fato”. (Jones, 1979, p.69).
Foi com Rostow, no entanto, que a teoria do desenvolvimento alcançou seu momento mais radical e também mais disseminado, com a publicação, em 1952, de sua principal obra, As Etapas do Desenvolvimento Econômico: um manifesto não-comunista. Neste livro, partindo de uma generalização da História moderna, Rostow chega a um conjunto de etapas de desenvolvimento: a sociedade tradicional, as pré-condições para o arranco, o arranco, a marcha para a maturidade, e, por fim, a era de consumo em massa. Não cabe aqui uma análise pormenorizada das etapas de desenvolvimento formuladas, apenas algumas breves considerações.
As idéias subjacentes a essa teoria podem ser enquadradas dentro do que Celso Furtado chamou de Concepções Faseológicas do Desenvolvimento, retomada após a II Guerra Mundial com “a idéia de que o desenvolvimento se concretiza pela superação de uma série de fases, como numa carreira de obstáculos”. (Furtado, 1969, p.120) De acordo com esta concepção, qualquer formação social pode ser encarada como parte integrante de algum estágio deste mesmo processo evolutivo, no qual o desenvolvimento não passa de uma ordem natural a ser alcançada por todas das sociedades – as diferenças econômicas passam a ser entendidas como diferenças temporais, hierarquizadas em uma escala evolutiva.
São muitas as críticas que podem ser levantadas contra as idéias apresentadas anteriormente, mas deseja-se aqui apenas destacar como as conclusões a que chegam estes autores não são, de maneira alguma, desprovidas de um juízo de valor; ao contrário, estes apontam para uma sociedade ideal. Mesmo um observador despretensioso que se depare com o subtítulo da obra (“um manifesto não-comunista”) já pode obter alguns indícios do que se encontra em seguida. As sociedades, para Rostow, caminham rumo a um fim muito bem definido, datado historicamente e figurado pela sociedade de consumo em massa. Como ressalta Dos Santos:
O modelo de Rostow tinha um começo comum, na indiferenciada massa das economias e sociedades tradicionais, em que ele transformou os 6000 anos de história da civilização, e terminava na indiferenciada sociedade pós-industrial, era da prosperidade á qual reduzia o futuro da humanidade, tomando como exemplo os anos dourados de crescimento econômico norte-americano do pós-guerra. (Dos Santos, 2000, p.17).
Mais que isso,
Rostow (1960) no seu célebre ‘manifesto não comunista’ retoma e vulgariza a visão neoclássica do desenvolvimento como um processo natural, progressivo e linear de transição por etapas das sociedades atrasadas ou tradicionais em direção a uma modernidade eurocêntrica. Uma fórmula universalmente válida e capaz de orientar a ação de todos os planejadores estatais competentes. (Fiori, 1999, p.27).
Feito então este breve apanhado das principais características que podem ser encontradas na construção lógica sugerida pelas etapas de desenvolvimento de Rostow passa-se à apreensão do pensamento estruturalista latino-americano.
Em primeiro, é importante ter em mente que o pensamento social latino-americano foi caracterizado, até as primeiras décadas do século XX, pela não originalidade, chegando a ser chamado por alguns de pensamento colonial ou reflexo. Segundo Marini (1992, p.69- 70), “[...] só se pode falar do surgimento de uma corrente estruturada e, sob muitos aspectos, original de pensamento na região a partir do Relatório Econômico da América Latina de 1949, publicado pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), em 1950”.
A Comissão Econômica para América Latina, fundada no final da década de 1940 como uma organização regional das Nações Unidas,[4] representou neste período o centro do debate desenvolvimentista latino-americano, não somente no que tange às propostas de práticas e políticas de fomento ao desenvolvimento econômico, como também no âmbito das formulações teóricas sobre as causas e soluções para o subdesenvolvimento que então assolava os países latino-americanos.
Como não é objetivo aqui, nem ao menos poderia ser, traçar em pormenores todo o perfil teórico da análise cepalina (trabalho este que demandaria tempo e espaço faltantes), partir-se-á apenas de alguns aspectos considerados fundamentais para um entendimento geral.
A preocupação central que impulsionou os estudos cepalinos consistiu, primeiramente, em encontrar explicações para o atraso dos países latino-americanos, e, conseqüentemente, em apontar a melhor forma de superá-lo. Essas explicações giravam, fundamentalmente, em torno do conceito “centro-periferia”[5] capaz de polarizar as diferenças nas estruturas sócio-econômicas, no processo de difusão do progresso técnico e distribuição dos ganhos entre centro e periferia.
Partindo inicialmente da questão da difusão e distribuição dos ganhos do progresso técnico, pode-se afirmar que os autores cepalinos irão depor, no fundamental, contra a Teoria Ricardiana das Vantagens Comparativas, segundo a qual os benefícios da divisão internacional do trabalho se estenderiam a todos os países.[6] Como afirma Prebisch:
[...] ele se baseia numa premissa que é terminantemente desmentida pelos fatos. Segundo essa premissa, o fruto do progresso técnico tende a se distribuir de maneira eqüitativa por toda a coletividade, seja através da queda dos preços, seja através do aumento correspondente da renda. Mediante o intercâmbio internacional, os países de produção primária conseguem sua parte desse fruto. Sendo assim, não precisam industrializar-se. Ao contrário, sua menor eficiência os faria perderem irremediavelmente os benefícios clássicos do intercâmbio. (Prebisch, 2000, p.71).
Contra esta concepção, o argumento defendido pela CEPAL, mais conhecido como a tese da deterioração dos termos de troca, pretende afirma que não só essa suposta transferência de ganhos não se efetiva, como também o que se observa normalmente é uma transferência dos ganhos de produtividade das regiões atrasadas para as regiões desenvolvidas, promovendo disparidades crescentes, ao invés homogeneização da produção e apropriação da riqueza mundial. Dessa forma, o processo de desenvolvimento do capitalismo mundial gera, por um lado, países ricos e, por outro, países pobres, centros e periferias desse mesmo sistema.
Sem pretender entrar em detalhes sobre essa formulação teórica, cabe apenas indicar aqui a conclusão daí derivada, a saída para essa situação, que, segundo a CEPAL, só pode ser encontrada no processo de industrialização. Como indicado por Prebisch:
Daí a importância fundamental da industrialização dos novos países. Ela não constitui um fim em si, mas é o único meio de que estes dispõem para ir captando uma parte do fruto do progresso técnico e elevando progressivamente o padrão de vida das massas. (Prebisch, 2000, p.72).
Nesse sentido, entender o processo de industrialização peculiar que então teve início nos países latino-americanos, as especificidades de suas formações sócioeconômicas, suas diferenças em relação ao centro capitalista, tudo isso se torna necessário para o surgimento de propostas de políticas consistentes de fomento a essa industrialização.
Como destacam alguns autores, mesmo os mais críticos, o pensamento clássico da CEPAL pode, inegavelmente, ser considerado parte importante da tradição crítica ao pensamento ortodoxo-conservador. Além disso, como ressalta Marini (1992, p.74) “[...] a Cepal, partindo da teoria do desenvolvimento, tal como fora formulada nos grandes centros, introduz nela modificações, que representarão sua contribuição teórica própria, original, e que tornarão o desenvolvimentismo latino-americano um produto, mas não uma simples cópia da teoria do desenvolvimento”.
No entanto, de uma forma geral, a Cepal serviu aos propósitos de difusão da teoria do desenvolvimento; e as limitações de seu pensamento foram, em boa parte, um “[...] tributo à relação umbilical que ela não deixou nunca de manter com a teoria do desenvolvimento”. (Marini, 1992, p.77) Nos termos de Osorio:
[...] la teoría de Prebisch se ve de alguna manera restringida a los parámetros de la teoría del desarrollo, en tanto supone que la puesta en marcha y avance de la industrialización permitirá acortar las distancias entre las regiones periféricas y el centro. En pocas palabras, las deformaciones estructurales son un obstáculo que se puede superar en el marco de economía capitalista, nunca un impedimento para el desarrollo. (Osorio, 2004, p.183).
Assim, a despeito das diferenças pontuais, compartilha toda a corrente desenvolvimentista uma mesma crença, um mesmo ideal, de superar o subdesenvolvimento através da maior aproximação a um modelo que se mostrou eficiente enquanto motor do desenvolvimento americano. Não que todos buscassem ser meras reproduções desta sociedade capitalista tomada como referência; ao contrário, parcela considerável das teorias procurou entender os entraves ao desenvolvimento em uma tentativa de oferecer propostas condizentes com as especificidades de cada formação social. No entanto, as saídas apontadas se aproximam em um único aspecto: todas crêem ser necessário ao desenvolvimento dar início a este processo capitalista de industrialização. Compartilha-se um mesmo ideal de progresso.
De uma forma geral é possível reconhecer em todos os teóricos do desenvolvimento a utilização das receitas do desenvolvimento das nações capitalistas pioneiras para propor saídas aos países subdesenvolvidos. Por fim, se é verdade que em Myrdal e Hirschman fica mais explícita a importância da atuação do Estado, mesmo em autores como Nurkse e Rostow é possível perceber a referência ao Estado nacional.
Assiste-se, no entanto, no bojo da crise dos anos 1970 e da ascensão da ideologia neoliberal, ao declínio da Economia do Desenvolvimento. Conforme se pretende mostrar nas próximas seções, as transformações do capitalismo, que se observam a partir de então, irão mudar os rumos desta disciplina.

3.      O DECLÍNIO DA ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO: IMPASSES TEÓRICOS E PRÁTICOS
Albert Hirschman publica, em 1981, um artigo intitulado Ascensão e Declínio da Economia do Desenvolvimento com o intuito de compreender como a Economia do Desenvolvimento, em seu ponto de vista uma disciplina recente da economia, mostrava já na década de 1980 sinais claros de esgotamento. Com propriedade, Hirschman (que, como visto, foi um importante teórico desse campo de estudo) afirma que “já não há mais o antigo ânimo, que estão cada vez mais raras as novas idéias e que a área não está se reproduzindo adequadamente”. (Hirschman, 1982, p.5).
Segundo o autor, no entanto, as explicações normalmente dadas para a diminuição do interesse por uma atividade científica dirigida à resolução de um problema premente (a saber, ou o problema foi de fato solucionado, ou, no extremo oposto, constata-se que a solução não está ao alcance e que nenhum progresso tem sido feito) não se aplicam ao caso da Economia do Desenvolvimento: “o problema da pobreza mundial está longe de ser resolvido, mas incursões animadoras no terreno têm sido e estão sendo feitas. É, por conseguinte, um verdadeiro enigma o fato de haver a Economia do Desenvolvimento florescido por tão pouco tempo”. (Ibid, p.6).
Dessa forma, a explicação para este fenômeno deve ser buscada nas condições sob as quais a disciplina emergiu. De acordo com Hirschman, isso ocorreu como resultado da conjunção de distintas correntes ideológicas que, apesar de ter se mostrado produtiva inicialmente, criou problemas para o futuro: “primeiro, em razão de sua feição ideológica heterogênea, a nova ciência estava submetida a tensões que se mostrariam explosivas na primeira oportunidade. Segundo, em razão das circunstâncias sob as quais surgiu, a Economia do Desenvolvimento se sobrecarregou de esperanças e ambições irrealistas que logo teriam que ser afastadas”. (Idem, ibidem).
Nem todos, no entanto, concordam com o diagnóstico de Hirschman. Arthur Lewis, também um dos teóricos fundadores da disciplina, em um artigo publicado em 1984 defende que o obituário de Hirschman foi precoce. Segundo Lewis (1985, p.83), a Economia do Desenvolvimento, apesar de não estar em seus melhores dias, “está viva e bem”.
Independentemente dos variados diagnósticos, é fato notável que a Economia do Desenvolvimento, já desde a década de 1960, deparou com uma série de dilemas teóricos e práticos.
Caracterizada, segundo a tipologia de Hirschman, como uma vertente que rejeita o pressuposto da teoria monoeconômica (ou seja, “os países subdesenvolvidos são considerados, em relação aos países industriais avançados, um grupo distinto, definido por características econômicas específicas que lhes são comuns”) e aceita o pressuposto de benefícios mútuos (“as relações econômicas entre estes dois grupos de países poderiam ser estabelecidas de forma a assegurar ganhos para ambos”),[7] a Economia do Desenvolvimento encontra uma primeira oposição na Economia Ortodoxa, que aceita os dois pressupostos. (Hirschman, 1982, p.6-7).
Defendendo claramente uma retomada dos princípios neoliberais no estudo do desenvolvimento, Deepak Lal, em seu artigo Os Desenganos da Economia do Desenvolvimento, argumenta que “o erro mais básico subjacente à Economia do desenvolvimento foi a rejeição (sob várias formas) às hipóteses comportamentais, segundo a qual tanto produtores quanto consumidores, como falou Hicks, ‘agiriam economicamente’. Mais que isso, “o ‘princípio econômico’ não é irrealista no Terceiro Mundo; os pobres podem, de fato, ser ainda mais fortemente levados a buscar vantagens do que os ricos” (Lal, 1994, p.234, tradução nossa).
Segundo o autor, o “dirigismo injustificado” (unwarranted dirigisme) defendido pelas teorias do desenvolvimento, baseado na constatação das imperfeições de mercado, pode ser mais nocivo que o laissez-faire. Além disso, os argumentos utilizados pelos “intervencionistas” se baseiam na premissa implícita de uma autoridade central onisciente.
Assim,
 
From the experience of a large number of developing countries in the postwar period, it would be a fair professional judgment that most of the more serious distortions are due not to the inherent imperfections of the market mechanism but to irrational government interventions. (Lal, 1994, p.241).
Uma segunda oposição, extremamente fecunda, é oferecida pela vertente neomarxista (especialmente pela teoria da dependência). Segundo a tipologia de Hirschman, nas teorias neomarxistas os pressupostos de benefícios mútuos e da monoeconomia seriam rejeitados. Ou seja, em primeiro lugar, para grande parte destes autores, a “troca desigual” estaria na essência das relações entre a periferia e o centro capitalista; além disso, a estrutura político-econômica dos países periféricos é muito dessemelhante de qualquer processo já ocorrido no centro, e o seu desenvolvimento não pode seguir o mesmo caminho. (Hirschman, 1982, p.7).
De acordo com essa perspectiva crítica, um dos elementos centrais da teoria do desenvolvimento que deve ser abandonado é “a idéia do desenvolvimento como um continuum e do subdesenvolvimento como uma etapa prévia ao desenvolvimento pleno, que seria assim acessível a todos os países que se esforçassem por reunir as condições adequadas para isso”.[8] (Marini, 1992, p.72). Além disso, este é, incontestavelmente, um desenvolvimento pensado nos marcos do capitalismo: o subdesenvolvimento seria, em sua essência, uma ausência de avanço capitalista. Assim, ao contrário da defesa dos mecanismos de mercado e da retirada do Estado, presente na vertente ortodoxa, a vertente marxista vai argumentar que um desenvolvimento somente é possível fora dos marcos do sistema capitalista.
Em síntese,

Quando o caminho para o desenvolvimento se mostrou mais árduo do que se supunha, a natureza híbrida da nova subdisciplina tornou-a sujeita a dois tipos de ataques. A direita neoclássica culpou-a por haver abandonado os verdadeiros princípios da monoeconomia e por ter confundido, através de suas novas recomendações de políticas, o problema que pretendia resolver. Para os neomarxistas, por outro lado, a Economia do Desenvolvimento não havia ido suficientemente longe em sua análise da condição dos países pobres: afirmavam ser tão sério o problema que nada poderia modificá-lo, senão a mudança total na estrutura socioeconômica e nas relações com os países ricos; e que, portanto, as assim chamadas políticas de desenvolvimento apenas criavam novas formas de exploração e ‘dependência’. (Hirschman, 1982, p.15).
É possível argumentar que a construção destas críticas já vinha sendo feita mesmo antes de evidenciados os percalços do desenvolvimento. No entanto, a crise dos anos 1970 colaborou em grande medida para o seu fortalecimento.
Isso porque, mesmo nos casos das economias que cresceram a taxas exorbitantes, como foi o caso brasileiro, esse crescimento ocorria às custas de uma piora na distribuição de renda. Em termos gerais, verificou-se que “a promoção do crescimento econômico ocasionava não raramente uma seqüência de eventos envolvendo sério retrocesso nas outras áreas”. (Hirschman, 1982, p.20). Furtado, falando especificamente sobre o caso brasileiro, afirma:
[...] o fato é que o país andava para frente e para trás simultaneamente. Víamos a economia brasileira avançando nas exportações e importações, na renda per capita. Mas, quando se olhava de perto, percebia-se que a renda se concentrara de tal forma que uma parcela crescente da população estava andando para trás”. (Furtado, 2004, p.62).
Hoje em dia, com certeza, não se aceita uma política concentradora de renda. (Furtado, 2004, p.63).
Diferentemente dos romances, neste caso o final da história pode ser adiantado justamente por ser velho conhecido. No cabo de guerra entre o marxismo e o neoliberalismo, a corda arrebenta para o lado mais fraco. A retomada da hegemonia neoliberal, com sua defesa do princípio do mercado e da retirada do Estado, terá influência decisiva sobre os novos estudos do desenvolvimento, objeto da próxima seção.
Hirschman, em consonância com o argumento aqui defendido, oferece uma pista dos novos caminhos trilhados pela Economia do Desenvolvimento:
Da mesma forma que o conceito do ‘típico país subdesenvolvido’ rompeu-se em diversas categorias de países, cada um com características próprias, assim a anteriormente básica orientação da Economia do Desenvolvimento (a renda per capita) dissolveu-se em uma variedade de objetivos parciais, cada qual requerendo consulta a diferentes especialistas. (Hirschman, 1982, p.22).
Como se pretende destacar mais adiante, a discussão sobre desenvolvimento local e territorial seria uma destas “especialidades”, e sua projeção é em grande medida fruto destes impasses das velhas teorias do desenvolvimento.

4.      A “NOVA” ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
No bojo das transformações do capitalismo – ideológicas e da esfera mais concreta do desenvolvimento capitalista –, o desfalecimento do ideário desenvolvimentista se reflete não só no surgimento de inúmeras revisões por parte dos autores desenvolvimentistas, como também na incorporação de novas temáticas ao debate. É como se o desenvolvimento passasse a ser discutido em múltiplas dimensões, em comparação ao caráter unidimensional da fase originária.
Conforme se tentou ressaltar anteriormente, verifica-se neste período o ressurgimento da preocupação com desigualdade de renda e pobreza. Cresce a preocupação com os evidentes danos ambientais da produção industrial e com a face territorial da desigualdade. Estas seriam as novas temáticas incorporadas ao debate sobre desenvolvimento, que aparecem tanto no pensamento heterodoxo, quanto nas vertentes mais ortodoxas.
Os melhores exemplos da incorporação dessas temáticas no pensamento convencional são, indubitavelmente, as bases teóricas das proposições de políticas dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial[9] ou o FMI[10], e os chamados modelos de crescimento endógeno, que incorporaram nas suas funções de produção variáveis como capital humano, capital social e até mesmo capital natural.
No campo mais heterodoxo, no entanto, este mapeamento se torna ainda mais difícil. São inúmeras as perspectivas que trabalham com essas temáticas. O exemplo mais ilustrativo neste caso talvez seja a própria CEPAL, que passa a dar mais ênfase às questões da eqüidade e sustentabilidade (não por acaso, a publicação do documento Transformação Produtiva com Eqüidade irá marcar o pensamento da CEPAL dos anos 1990). Mesmo no caso de autores como Chang (2004) que, partindo de uma crítica às “boas políticas” prescritas pelo chamado Consenso de Washington, resgatam a velha noção de desenvolvimento (associada à industrialização), é patente a incorporação de novos critérios para definir desenvolvimento.
Nesse sentido, apesar das teorias aqui indicadas apresentarem diferenças importantes que não permitem tratá-las como um corpo teórico homogêneo, pode-se dizer que todas elas compartilham um mesmo ideal de desenvolvimento: não mais aquele “desenvolvimento econômico” do período anterior, medido somente em termos da produção nacional (preferencialmente a produção per capita, incapaz de mostrar a existência de disparidades de renda)[11] e que tinha como meta diminuir as disparidades de renda entre as nações, mas um desenvolvimento que é “sustentável” em sentido amplo, ou seja, um desenvolvimento baseado em uma sustentabilidade “física” (ecológica), “econômica (de durabilidade ao longo do tempo) e “social” (inclusiva).
Chama-se aqui de Nova Economia do Desenvolvimento este conjunto de dimensões, com as suas respectivas teorias, não só por acreditar que elas guardam relação entre si (compartilhando um mesmo ideal de desenvolvimento), mas também por crer que guardam relação com a Economia do Desenvolvimento do pós-guerra (pois, apesar da incorporação de novas temáticas, o foco da disciplina continua sendo o desenvolvimento).
Dessas dimensões, no entanto, dedica-se especial atenção ao desenvolvimento local e ao desenvolvimento territorial não só pela repercussão que tiveram nos anos 1990 e nos anos 2000, mas também pelo conteúdo ideológico carregado por estas perspectivas. Isso porque, se considerarmos que a natureza da Política do Desenvolvimento Econômico do período do pós-guerra se confundia com uma determinada forma do Estado capitalista, será possível admitir que um primeiro nível de transformação a ser determinado pela concepção neoliberal está relacionado ao tipo de intervenção apropriado a um mundo em que a regulação das decisões está dada predominantemente pelo mercado. Para tanto, era preciso mostrar que o desenvolvimento não exigia uma presença significativa do Estado, este pensado em nível nacional.[12] Todavia, isto se deu ao tempo em que houve uma revitalização do território, porém numa escala subnacional, como será visto na próxima seção.
4.1.  Desenvolvimento Territorial na nova Economia do Desenvolvimento
Antes de iniciar precisamente com a análise do papel desempenhado pelo aporte do desenvolvimento territorial nos debates sobre desenvolvimento econômico, vale lembrar que a preocupação com a dimensão espacial do desenvolvimento econômico não data de tempos recentes. É possível encontrar algumas referências, ainda que esparsas, entre os autores clássicos e em Marx.
É apenas no período posterior à Segunda Guerra Mundial, no entanto, que se assiste ao crescimento do interesse pelas questões urbanas e regionais com a publicação de inúmeros de trabalhos sobre o tema. É durante a Era de Ouro que esta temática adquire crescente relevo não só no plano mais concreto das políticas econômicas, mas também no plano teórico. Tem origem aí a disciplina Economia Regional e Urbana, ramo da ciência econômica tradicionalmente ligado às questões espaciais; a partir deste momento esta área da economia se afirma como tal, com o surgimento de livros-texto e a criação de disciplinas regulares nos currículos universitários.
 
A despeito das inúmeras formulações e dos avanços teóricos, a questão regional ficou relegada ao segundo plano. Como, “nos anos 50 e 60, o debate sobre o desenvolvimento regional e urbano recebeu influência direta de todas as correntes principais das chamadas teorias do desenvolvimento econômico [...], ocorre uma transposição muitas vezes direta do debate internacional e nacional para a escala regional”. (Brandão, 2003, p.33). Sobre o âmbito mais concreto da política econômica, destaca-se que “a preocupação com a política regional ficou muito atrás de outros aspectos da intervenção governamental mesmo depois que muitos economistas perdessem sua fé radical na economia de mercado”. (Richardson, 1975, p.17).
 
Neste período de auge da Economia do Desenvolvimento, a ênfase recaía sobre o âmbito Nacional; pensava-se muito mais em como dissipar as desigualdades nessa esfera. Além disso, note-se que em todos os casos a política regional foi pensada “de cima para baixo”, ou seja, como um processo que emana do Estado. Com a crise do desenvolvimentismo e ascensão do neoliberalismo, observa-se o declínio desse tipo de política, e conseqüentemente o declínio da “região” como lócus de atuação política.[13] Nos termos de Vainer (2002), é neste período que os estudiosos do tema começam a questionar qual a escala de ação política pertinente ou prioritária, seja para a análise econômica e social, seja para a ação política eficaz.
 
Ocorre, no entanto, um fenômeno, relativamente recente, de revalorização do espaço na economia. Como ressalta Vainer:
 
Não seria exagero dizer que o debate intelectual e político se vem realizando sob o signo de categorias que remetem às escalas espaciais: globalização, blocos regionais, desenvolvimento local, dissolução das fronteiras nacionais, identidades locais, entre outras, são expressões que freqüentam com igual intensidade tanto os trabalhos e encontros acadêmicos quanto os meios de comunicação de massa e o debate político. (Vainer, 2002, p.14).
 
No que se refere aos estudos sobre as desigualdades espaciais e sobre os meios de promover o desenvolvimento destes espaços, destaca-se o surgimento do território e do desenvolvimento territorial. Segundo Shneider (2004, p.102), “é neste contexto que ganha relevo o território, agora como uma noção com estatuto operacional que permite a superação dos condicionantes e limites do aporte regional”. Conforme será destacado mais adiante, também neste mesmo período, assiste-se ao surgimento do local – e, conseqüentemente, do desenvolvimento local. No entanto, apesar de estarem ligados a correntes teóricas não muito distintas, estas noções não só apresentarão conteúdos diferentes, como também irão se desdobrar em práticas políticas diferentes.
 
De fato, um dos aspectos que a revitalização do território na ciência econômica traz à tona é o das escalas de ação política. A elas são associados níveis teóricos, de maneira que a escala pertinente ou prioritária, seja para a análise econômica e social, seja para a ação política eficaz, passa a ser uma questão relevante. Atualmente este debate, ao contrário do período anterior (quando a ênfase era posta no regional e no nacional), tem-se estruturado sobre as oposições entre o local e o global. Portanto, o que se assiste é o domínio tanto da escala local quanto da escala global, com subordinação teórica e política da escala nacional, em cujo âmbito está muito bem definido o papel do Estado em garantir a estabilidade, ou em dar as bases para o funcionamento regulador do mercado. (Vainer, 2002, p.14)
 
De acordo com esta perspectiva, o local adquiriu uma importância estratégica para se alcançar o desenvolvimento. Os governos locais (escala subnacional) estariam em condições de atrair empresas e promover sua competitividade. Ou seja, os governos locais gozam de “[...] muita flexibilidade, adaptabilidade e capacidade de manobra em um mundo de fluxos entrelaçados, demandas e ofertas cambiantes e sistemas tecnológicos descentralizados e interativos”. Além disso, eles oferecem base histórico-cultural para a integração dos indivíduos. Ou seja, os governos locais gozam de uma “maior capacidade de representação e legitimidade com relação a seus representados; são agentes institucionais de integração social e cultural de comunidades territoriais”. (Borja e Castells apud Vainer, 2002, p.17).
 
E se por um lado os governos locais adquiriram importância estratégica, por outro, de acordo com esta perspectiva, os Estados nacionais se tornaram duplamente frágeis: são ao mesmo tempo “demasiadamente pequenos para controlar e dirigir os fluxos globais de poder, riqueza e tecnologia, e demasiadamente grandes para representar a pluralidade de interesses sociais e identidades culturais da sociedade, perdendo legitimidade tanto enquanto instituições representativas como enquanto organizações eficientes”. (idem, ibidem, grifos nossos).
 
Vale notar que uma perspectiva como essa, chamada aqui de localista, pode ser encontrada em diversos autores e correntes, não sendo possível oferecer um mapeamento preciso de sua extensão. No entanto, mesmo não constituindo um corpo teórico homogêneo, é possível afirmar que “[...] a rejeição da escala nacional e do Estado nacional como campo e ator predominantes da ação política” está presente em todos os adeptos dessa perspectiva. (Vainer, 2002, p.20). O lema é “engajar as cidades e os lugares na competição global”. (Ibid, p.16). E esta noção, hoje hegemônica, é defendida e difundida sistematicamente pelos organismos multilaterais e agências globais.
 
Assim como defendido pela ideologia neoliberal, grande parte das teorias que utilizam o enfoque do desenvolvimento local apreende a globalização como algo inexorável e irreversível, que tendencialmente romperia os limites do controle dos Estados nacionais, estruturalmente fragilizados. Assim como os teóricos da globalização (globalistas), muitos teóricos do desenvolvimento local (localistas) consideram que, com o processo de globalização, o Estado perdeu força e deixou, portanto, de ser uma esfera de poder prioritária. É nesse sentido que para essas abordagens a política de desenvolvimento não pode ser mais produto tipicamente de uma ação pública de Estado, mas resultado da convergência de ações de múltiplos atores, alguns deles atuando nos âmbitos privado ou supranacional.
 
Vale a pena realçar que poucos são os que questionam a existência de um processo de globalização (ou mundialização), embora exista uma série de divergências nas interpretações sobre a natureza e sentido desse processo. Exemplo: enquanto de acordo com a perspectiva globalista assiste-se à progressiva unificação do espaço global, causa e conseqüência do desmantelamento dos Estados nacionais, para outros “a globalização não é uma homogeneização, mas, ao contrário, é a extensão de um pequeno grupo de nações dominantes sobre o conjunto das praças financeiras nacionais”. (Bourdieu, 1998, p.54).
 
Além disso, há dissenso quando se trata da necessidade histórica do processo de globalização como avanço civilizatório e elemento dinâmico da produção global. Destacam-se como mais numerosos os que acreditam na inevitabilidade e irreversibilidade da globalização, assumindo que as suas causas seriam também inevitáveis e irreversíveis. Em contraponto, estão os que defendem que “a ‘globalização’ não é [seja] uma nova fase do capitalismo, mas uma retórica ‘invocada’ pelos governos para justificar sua submissão voluntária aos mercados financeiros”. (Bourdieu e Wacquant, 2000).
 
Em resumo: os globalistas e localistas estariam então no primeiro grupo: o dos que acreditam na unificação do espaço global e na sua necessidade histórica. E apesar das inúmeras posturas analíticas e projetos políticos reconhecíveis no campo dos globalistas, um ponto de convergência é o reconhecimento, conformado ou entusiasta, de que o Estado nacional é cada vez mais impotente para fazer frente aos desafios colocados pelas realidades políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais. Este é também um ponto de convergência com o localismo. (Vainer, 2002, p.16).
No caso do desenvolvimento territorial, ao contrário, ainda se considera o Estado parte importante do processo. Como destaca Shneider:

[...] o território emerge como nova unidade de referência para a atuação do Estado e a regulação das políticas públicas. Trata-se, na verdade, de uma tentativa de resposta do Estado, entendido como instituição jurídico-social, às fortes críticas a que vinha sendo submetido, sobretudo tendo em vista a ineficácia e a ineficiência de suas ações, seu alto custo para a sociedade e a permanência das mazelas sociais mais graves como a pobreza, o desemprego, a violência, etc. (Shneider, 2004, p.102).
 
Estes não são, no entanto, os que reivindicam, no debate sobre as escalas de ação política, a centralidade da escala nacional (chamados de neonacionalistas). De acordo com a perspectiva neonacionalista,
 
[...] ao escamotearem a escala nacional, globalistas e localistas de todos os tipos estariam fazendo o jogo da própria globalização, cujo ponto de ataque central, não por acaso, é o Estado nacional, única escala e instituição escalar em condições de viabilizar, suscitar, a construção de alternativas viáveis ao capitalismo simultaneamente globalitário e fragmentador. (Vainer, 2002, p.21).
 
Fugindo um pouco a estas perspectivas, conhecidas por adotarem uma postura uniescalar, a corrente do desenvolvimento territorial defende a combinação das múltiplas escalas – conformando o que se convencionou chamar de estratégia transescalar. Isso porque, ao mesmo tempo em que pode ser interessante uma atuação mais forte dos governos na promoção do desenvolvimento de suas localidades, qualquer projeto econômico restrito apenas ao âmbito local está fadado ao fracasso.
Nesse sentido, advogam estes autores a necessidade tanto de uma abordagem quanto de uma estratégia transescalar; ou seja, o tratamento transescalar é necessário tanto em termos analíticos (escalas de análise), quanto para a construção de estratégias e projetos políticos. Como destaca Vainer (2002, p.25), “qualquer projeto (estratégia?) de transformação envolve, engaja e exige táticas em cada uma das escalas em que hoje se configuram os processos sociais, econômicos e políticos estratégicos”.
 
O grande exemplo de desenvolvimento territorial nos dias atuais é oferecido pela União Européia. A idéia é unir o que se convencionou chamar de “desenvolvimento de baixo para cima” e “desenvolvimento de cima para baixo”. Nesse sentido, no caso da União Européia, se manteve os dois termos: ordenamento e desenvolvimento territorial. “[...] ordenamento seria algo ‘consentido, outorgado e redistribuitivo’, enquanto o desenvolvimento seria ‘desejado, partilhado e produtor de riquezas’. [...] se pretende cruzar, num mesmo espaço, uma política ‘descendente (ordenamento) com uma política ascendente (desenvolvimento)’”. (Veiga, 2002, p.13).

5.      CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme mostrado ao longo da primeira seção, emerge no pós-guerra uma disciplina no interior da ciência econômica conhecida como Economia do Desenvolvimento. E, apesar do grande número e da diversidade de teorias que compõem a disciplina, foi possível identificar algumas características comuns a todas elas. Primeiramente, é patente a existência de uma mesma visão de mundo compartilhada por toda a Economia do Desenvolvimento. Assim, de uma forma geral é possível reconhecer em todos os teóricos do desenvolvimento a utilização das receitas do desenvolvimento das nações capitalistas pioneiras para propor saídas aos países subdesenvolvidos. Além disso, e mais importante, é possível perceber que todos os autores têm como referência centrar para a promoção do desenvolvimento o Estado nacional.
 
No entanto, se por um lado o Desenvolvimento Econômico emergiu como uma temática de extremo sucesso no campo da economia, por outro, em um período relativamente curto de tempo, assiste-se ao seu declínio. No bojo da crise dos anos 1970, ascensão da ideologia neoliberal e transformações na estrutura produtiva, a Economia do Desenvolvimento depara com uma série de dilemas teóricos e práticos.
 
Como resultado desse processo, o tema do desenvolvimento se tornou certamente mais amplo no conjunto das suas questões do que havia sido nos anos 1950, principalmente devido à incorporação de novas temáticas. Ao substantivo “desenvolvimento” são apensados inúmeros adjetivos, conferindo ao termo uma suposta multiplicidade. Esta fragmentação interna à disciplina deu origem, no entanto, a uma série de subtemáticas e delimitações de escala que tornaram o campo do desenvolvimento mais complexo e difícil de ser compreendido na sua dimensão global.
 
Embora não tenha havido aqui a pretensão de cobrir o conjunto das teorias de desenvolvimento, aquelas indicadas são suficientes para configurar perspectivas que se situam no campo da disciplina Desenvolvimento Econômico, porém com qualificações, segmentações e posturas teóricas distintas daquelas originárias. Essas mudanças indicam o caminho do abandono do qualificativo econômico, em favor de uma disciplina mais complexa e pretensamente abrangente que seria a do Desenvolvimento. Neste sentido, a Nova Economia do Desenvolvimento manteria pouco da perspectiva da sua origem, segmentando-se e ampliando-se por novas dimensões.
 
Acredita-se, no entanto, que esta segmentação/ampliação, apesar de seu caráter aparentemente positivo, traz problemas de outra grandeza para o entendimento do fenômeno. Em primeiro lugar, como até mesmo Cardoso (1995, p.150) reconhece, com este processo o desenvolvimento deixa de ter a força fundadora e unificadora que possuía nos anos 1960.
 
Indo um pouco além, é possível perceber que estas novas concepções deslocam do eixo das preocupações a disparidade de níveis de desenvolvimento econômico entre os países (base da desilusão de Hirschman). No atual contexto de mudança ideológica do papel do Estado, num mundo integrado pelo mercado internacional unificado e pelo espaço diplomático supranacional da ONU, o tema desenvolvimento parece perder identidade com o espaço nacional. O foco das preocupações, diferentemente do período anterior, não é mais diminuir as disparidades no desenvolvimento das nações.
 
Em síntese, o ponto a destacar é que a incorporação destas novas perspectivas no debate sobre desenvolvimento econômico, por vezes embaçam a existência de uma hierarquia global. A constituição do espaço supranacional e a importância crescente assumida pelos Organismos Multilaterais e suas “agendas globais” para o desenvolvimento não eliminam a velha polarização Norte-Sul, a estratificação global, a diferença sistêmica (dissimulada agora pela noção de uma integração dos espaços globais).
 
E, neste sentido, a perspectiva do desenvolvimento local/territorial é exemplar.
 
Um primeiro ponto digno de nota é que, em muitos casos, a idéia de local tem sido tomada com auto-explicativa. A definição do que é (ou o que deveria ser) o local raramente aparece. Assim, o local adquire uma série de significados e usos.[14] Contudo, essas dificuldades teórico-conceituais não parecem preocupar os “homens práticos”. A solução encontrada parece simples (além de bastante pragmática): o local é o “espaço escolhido pelos planejadores para intervir”. (Vainer, 2002, p.19).
 
O mesmo vale para o impreciso conceito de território. Segundo Veiga (2002, p.12), “as vantagens das palavras ‘espaço’ e ‘território’ são evidentes: não se restringem ao fenômeno ‘local’, ‘regional’, ‘nacional’ ou mesmo ‘continental’, podendo exprimir simultaneamente todas essas dimensões”. E se, por um lado, “parece estar havendo, de fato, uma revalorização da dimensão espacial da economia; [...] tudo indica que tal evolução está longe de permitir que se considere a expressão ‘desenvolvimento territorial’ como um conceito propriamente dito”. (Veiga, 2002, p.5).
 
Segundo se entende aqui, se o território for considerado uma base geográfica do Estado, base sobre a qual o Estado exerce sua soberania, o território expressa uma condição de poder, de poder político de Estado. E neste sentido, a idéia de desenvolvimento local/territorial não poderia ser dissociada da noção de Estado. Muitos defensores do desenvolvimento territorial, principalmente os que se filiam ao desenvolvimento local, ao contrário, costumam ignorar o fato de haver uma hierarquia de poder no âmbito nacional.
 
Como se viu, há uma corrente defensora do desenvolvimento territorial que considera o Estado como uma esfera relevante. Mesmo nestes casos em que o desenvolvimento das regiões aparece como uma política de Estado, persiste o desprezo em relação à disparidade de níveis de desenvolvimento econômico entre os países.
 
Este debate pode se tornar ainda mais desalentador, ao se pensar que a nova ideologia vigente, o neoliberalismo, limita as possibilidades do Estado como ator do desenvolvimento – papel que passa a ser atribuído ao mercado, como fruto natural da dinâmica capitalista. Até que ponto não é esse discurso um mero recurso ideológico cujo fim é ocultar uma ordem internacional que necessita de países pobres e ricos – tanto quanto necessita de classes privilegiadas e despossuídas, aqueles que trabalham e os que se apropriam do trabalho de outros. Admitir essa outra possibilidade implica corrigir os termos em que se vem discutindo o desenvolvimento econômico, a começar pela própria conceituação do termo e pela correção das expectativas em relação a um desenvolvimento nos marcos do modo de produção capitalista.

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[1] O marxismo vulgar teve como característica mais notável a aplicação da metáfora base/superestrutura, sendo a “base econômica”, entendida em termos não-sociais e tecnicistas, e a “superestrutura” legal, política e ideológica que a reflete ou corresponde a ela como coisas qualitativamente diferentes, esferas mais ou menos fechadas e separadas. (Wood, 2003, p.28). Em síntese, a utilização da metáfora base/superestrutura acentua a separação e o fechamento das esferas – por mais que insista na ligação de uma com a outra, ou mesmo no reflexo de uma na outra. (Wood, 2003, p.29-30).
[2] A “formação de capital” deve ser entendida aqui como um processo que ocorre quando uma dada sociedade não destina toda sua capacidade produtiva à produção de bens de consumo, ou seja, parte desta é empregada à produção de bens de produção.
[3] Exemplificando essa concepção de “circulo vicioso da pobreza” diz Nurkse (1957, p.7): “um homem pobre não tem o bastante para comer; sendo subalimentado, sua saúde é fraca; sendo fisicamente fraco, sua capacidade de trabalho é baixa, o que significa que ele é pobre, o que, por sua vez, quer dizer que não tem o bastante para comer; e assim por diante. Tal situação, transposta para o plano mais largo de um país, pode ser resumida nesta proposição simplória: um país é pobre porque é pobre”.
[4] Após uma portaria de 1984 a Comissão Econômica para América Latina se tornará Comissão Econômica para América Latina e Caribe.
[5] Um primeiro ponto importante a destacar se refere ao fato de, como indicado anteriormente, o conceito de subdesenvolvimento só surgir no momento em países recém descolonizados apresentam esta tal formação capitalista incompleta; nesse mesmo sentido, o surgimento dos conceitos de centro e periferia também pode ser inserido nesse contexto, pois, no geral, se referem ao centro e a periferia do mundo capitalista.
[6] Segundo Marini (1992, p.75), “No plano teórico, a contribuição mais importante da Cepal é sua crítica à teoria clássica do comércio internacional”.
[7] Vale notar que esta caracterização de Hirschman merece algumas ressalvas. Primeiro, sobre o pressuposto da teoria monoeconômica, o próprio Hirschman afirma que “a partir da observação de grupos externos, primeiro surge a surpreendente constatação de diversidade e daí se segue a ainda mais espantosa descoberta de que o nosso grupo não é assim tão diferente”. (Hirschman, 1982, p.11-12). Essa conclusão tem sido bastante comum nos estudos antropológicos, mas, de acordo com Hirschman, também se aplica ao caso da economia do desenvolvimento que toma os países subdesenvolvidos como o “grupo externo”. Segundo, é evidente que a vertente latino-americana da economia do desenvolvimento, apresentada no capítulo 1, a partir da tese da deterioração dos termos de troca vai rejeitar o princípio dos benefícios mútuos.
[8] A adoção desta perspectiva traz inconvenientes metodológicos sérios. Como desenvolvimento e subdesenvolvimento são o mesmo, só podem ser diferenciados mediante a aplicação de critérios quantitativos: “Primeiro, ao ser essencialmente descritiva, não oferecia qualquer possibilidade explicativa. Segundo, o resultado a que chegava era uma perfeita tautologia: uma economia apresentava determinados indicadores porque era subdesenvolvida e era subdesenvolvida porque apresentava esses indicadores”. (Marini, 1992, p.73). Como visto no capítulo primeiro, na concepção de “circulo vicioso da pobreza” de Nurkse “um país é pobre porque é pobre”.
[9] A ênfase dada à questão da desigualdade de renda e pobreza por esta instituição aparece repetidamente no seu documento de maior repercussão: World Development Report. O WDR de 1990, intitulado Poverty, o de 2000/2001 (Attacking Poverty) e 2006 (Equity and Development) possuem claramente este viés. O foco na questão ambiental aparece um pouco mais recentemente. O WDR de 2003, intitulado Sustainable Development in a Dinamic World, pode ser citado como exemplo da incorporação da temática ambiental pela instituição.
[10] Nesse sentido, é significativo o fato de o FMI ter incorporado recentemente no rol de condicionalidades, impostas às nações “assistidas”, cláusulas “sociais”.
[11] A centralidade dessa unidade de medida é freqüentemente reiterada pelos teóricos do desenvolvimento. Como afirma Lewis (1984, p.77): “A economia do desenvolvimento lida com a estrutura e o comportamento das economias nas quais a produção per capita é inferior a 2 mil dólares (dólares dos Estados Unidos, de 1980)”.
[12] Tomando como referência o caso brasileiro, fica bastante claro que o Estado que se discutia no âmbito da teoria do desenvolvimento era aquele que se identificava ao âmbito da União, isto é, à esfera Federal. As demais esferas – estadual e municipal – certamente cumprem funções complementares, mas têm uma lógica mais fortemente ligada aos “serviços públicos” e menos à coordenação\liderança do desenvolvimento capitalista.
[13] “O desgaste da noção de região e, mais precisamente, de desenvolvimento ou planejamento regional, inicia-se com a crise da capacidade de intervenção macroeconômica e macrossocial do Estado, que ocorre a partir de meados da década de 1970 e se agudiza na década seguinte, especialmente com a influência crescente do ideário neoliberal sobre as perspectivas keynesianas que vigoravam desde o final da Segunda Guerra Mundial”. (Shneider, 2004, p.100).
[14] No artigo de Gonzáles (1998) isto pode ser visto claramente. Neste trabalho, o autor apresenta aproximadamente oito diferentes definições de desenvolvimento local.